No final de agosto será lançada a plataforma Periferias na Pandemia. A iniciativa, liderada pelo Centro de Estudos em Conflito e Paz (CCP), ligado ao Núcleo de Relações Internacionais da USP (Nupri) e pelo projeto Reconexão Periferias, da Fundação Perseu Abramo, visa à criação de um memorial que retrate as dificuldades e a luta diária e resiliente de pessoas periféricas depois de março de 2020. A construção da plataforma contou com o apoio financeiro do Center for Human Rights and Humanitarian Studies (CHRHS), Watson Institute, Brown University.

A plataforma digital será um espaço a ser alimentado por usuários, com testemunhos que podem ser registrados em formato de texto, áudio, vídeo e/ou foto. Observe-se que antes de submeter um testemunho, usuários preenchem um formulário e assinam um termo de consentimento. Há ainda a possibilidade de submissão de testemunhos anônimos. A etapa seguinte compreende uma revisão qualificada do conteúdo quanto às questões éticas para disponibilização de material ao público. Após sua análise, o testemunho, integral e sem edições, passa a fazer parte de um grande repositório de dados qualitativos que pode ser acessado por qualquer pessoa interessada, com possibilidade de filtragem de informações por estado.

A intenção do projeto é a de que moradores e moradoras de periferias acessem a plataforma e contribuam de forma voluntária com seus testemunhos. A ideia central é construir um espaço para que pessoas periféricas sejam produtoras de conhecimento e possam contar suas histórias de maneira livre e sem cortes.

Com tempo, este projeto produzirá um memorial sobre a pandemia na vida das periferias brasileiras e servirá como fonte de informação a pesquisadores, jornalistas, estudantes, gestores ou pessoas leigas que simplesmente queiram se informar sobre as diferentes maneiras como as periferias enfrentaram e ainda enfrentam a pandemia. Note-se que este projeto compreende o termo periferia de forma ampla, abrangendo não apenas locais, mas também grupos sociais economicamente vulneráveis e que estão distantes e/ou excluídos dos centros decisórios e de poder. Ou seja, estamos falando de moradores de periferias urbanas e também de comunidades quilombolas, ribeirinhas, indígenas, rurais, organizações de trabalhadores informais, coletivos de mulheres negras, artistas de rua, etc.

Num primeiro momento, o site funcionará em português apenas, mas a versão em inglês está em desenvolvimento e a intenção da equipe é captar recursos para a tradução dos testemunhos para o inglês e o espanhol de modo que o conteúdo possa estar acessível ao público não-lusófono, sobretudo pesquisadores e jornalistas que vêm acompanhando os desdobramentos da pandemia em nível global.

O projeto partiu da iniciativa de quatro pesquisadoras do Centro de Estudos em Conflito e Paz (CCP/Nupri-USP) – Ana Maura Tomesani, Camila Braga, Joana Ricarte e Roberta Holanda Maschietto – que buscavam voluntariamente levantar as demandas periféricas durante o período e entender de que forma as comunidades se organizaram para o enfrentamento da pandemia. A parceria com a Fundação Perseu Abramo possibilitou às pesquisadoras o acesso à base de mais de 800 organizações e movimentos mapeados pelo projeto Reconexão Periferias e que estão em diálogo com a fundação em todo o país. Os primeiros trabalhos desta parceria já estão publicados na plataforma, que também possui um blog voltado à divulgação de outros trabalhos científicos sobre a pandemia de Covid-19 e as periferias no Brasil. Autores e autoras podem entrar em contato pelo e-mail periferiasnapandemia@gmail.com para terem seus artigos, relatórios de pesquisa ou livros veiculados no blog. O site também disponibiliza uma clipagem de notícias internacionais sobre a pandemia no Brasil.

As pesquisadoras acreditam que a plataforma digital Periferias na Pandemia poderá constituir uma enorme contribuição não apenas para a ciência e para o desenvolvimento de políticas públicas, mas também para a não-invisibilização do sofrimento de populações já castigadas pela ausência crônica de serviços públicos básicos em seus territórios e comunidades. Já para Paulo Ramos, coordenador do Reconexão Periferias, “o memorial é uma forma de evitar traumas. Todo sofrimento calado, abafado, sobre o qual não se fala, ou quando se fala, não se escuta, vira um trauma. Um trauma social. É preciso que se fale sobre este período. É preciso que as periferias falem e sejam ouvidas não apenas sobre o sofrimento vivido, mas também sobre as formas como se recompuseram e enfrentaram este cenário dramático.”

O projeto prevê ainda a organização de um evento nacional sobre Covid-19 e periferias para início de 2023, e outro evento internacional sobre a pandemia nas periferias globais para final de 2023, que deve ocorrer em Coimbra, Portugal, além da organização de um livro com a seleção de testemunhos do projeto.

Pessoas que queiram fornecer seus testemunhos antes do lançamento oficial do site podem entrar em contato conosco através do e-mail do projeto, periferiasnapandemia@gmail.com. Construir a memória coletiva deste momento é o primeiro passo para prevenir sua repetição e mitigar o sofrimento humano causado em sua decorrência. Contribua com seu relato!