Pela primeira vez em 13 anos, as forças políticas da direita parecem acreditar que estão reunidas as condições para interromper o ciclo de mudanças impulsionado pelas vitórias eleitorais e pelos governos liderados pelo Partido dos Trabalhadores, desde a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2002.Contam para tanto com a expectativa de que este ciclo tenha ingressado em um cenário de “tempestade perfeita”, onde se somam: (a) dificuldades econômicas e medidas de “ajuste” aplicadas, que desagradam a um leque amplo de atores sociais (que vai de trabalhadores até empresários), (b) disputas políticas acirradas entre governo e oposição, mas também dentro da base de apoio do governo, e (c) a crise institucional deflagrada pelo esquema de corrupção na Petrobrás, trazido à tona por investigações propiciadas pelas medidas adotadas pelos governos Lula e Dilma, mas que têm sido apresentadas pela mídia de forma a atingir especialmente o PT.
Essa percepção, reforçada pela análise de que teríamos ingressado neste cenário de “tempestade perfeita”, dita os ritmos e o rumo – com fortes tentações golpistas – das forças da direita encabeçadas pelo PSDB.
Notável que FHC, mas não somente ele entre os líderes da oposição de direita, venha fazendo ao longo das últimas semanas comparações com uma crise política anterior, – a que levou ao golpe de Estado militar de 1964, contando com a chancela do Congresso Nacional, que substituiu o presidente João Goulart, violando assim a ordem constitucional.
Essas lideranças, no entanto, têm dado declarações por vezes erráticas ou aparentemente desencontradas, o que pode sugerir ainda uma disputa sobre qual será o “centro” da sua tática, ora apontando para o impeachment da presidenta, ora para um “sangramento” do governo e do PT. Se por um lado isso indica que a direita ainda não têm segurança em relação aos objetivos que seriam possíveis atingir na conjuntura atual, por outro esse aparente desencontro pode ser funcional tanto à tática golpista quanto à eleitoral, já que, sem deixar claras suas intenções, tal movimento hoje torna-se capaz de aglutinar setores mais amplos da população.
Ao analisarmos três crises políticas anteriores – 1954, que teve como desfecho o suicídio do Getúlio, o que adiou por dez anos o golpe militar; 1964, que resultou na ditadura militar; e a de 1992, que culminou no impeachment do presidente Collor – veremos que existem semelhanças e diferenças parciais, cuja sistematização e análise seriam interessantes para uma compreensão mais acurada do momento que estamos vivendo no Brasil.
Em 1954 e 1964, destaca-se a participação de setores das Forças Armadas. Em 1992, este segmento não esteve no centro da crise, como parece também não estar hoje.
Em todos esses momentos do país – talvez menos em 1954 – havia uma situação econômica grave e a gestão da economia estava no centro da crise, ainda que por motivos opostos, quando comparados 1954 e 1964 com 1992.
Nos dois casos de governos anteriores com perfil progressista – 1954 e 1964 – havia uma base de sustentação política fragilizada (ainda que menos complexa que hoje, com menos partidos). E em 1992, como expressão de um mandato que foi obtido na base de um “espasmo” político em 1989, essa base inexistia do ponto de vista orgânico. Mas em todas as três crises assinaladas, pode-se dizer que a base parlamentar de apoio deteriorada jogou um papel importante no seu desfecho.
Nos três casos em análise, havia oposição do meio empresarial ao governo no momento das crises.
No caso do Getúlio e de Jango, a acirrada oposição da imprensa em geral foi decisiva para se criar o clima destituinte. Em 1954, somente o “Ultima Hora” apoiava o governo.
Em 1954, os setores sociais e políticos que em tese apoiavam Getúlio estavam confusos, perplexos, inertes. Só seu suicídio os tirou do imobilismo. Já em 1964, os movimentos sociais tinham perspectivas políticas muito claras (a luta pelas “reformas de base”), mas havia divisões sobre a tática e mesmo sobre a postura frente ao governo.
O tema da corrupção, em todos esses casos, aparecia como um elemento mobilizador contra o governo.
Ainda que em 1954 parte das esquerdas fizesse oposição a Getúlio, os protagonistas principais na deflagração das crises de 1954 e 1964 foram sem dúvida as forças de direita, conservadoras e reacionárias. Já em 1992, houve uma mobilização com apoio amplo na sociedade, mas impulsionada sobretudo pelas esquerdas.
Qual a importância dessa comparação? Por uma série de fatores, as forças da oposição de direita olham para esses antecedentes e veem a possibilidade de interromper o ciclo de governos encabeçados pela esquerda, agora ou em 2018. Mas não se trata de apenas uma disputa governo-oposição qualquer. O que buscam reverter e liquidar é o processo de mudanças que os governos do PT iniciaram, com grande impacto na melhoria das condições de vida da população, e para o qual é fundamental a retomada dos instrumentos estatais capazes de orientar o país em um rumo pós-neoliberal – instrumentos que estão sob forte ataque, como é o caso da Petrobrás, que analisamos de forma mais detalhada adiante.
O grande desafio para o campo de esquerda que apoia esse projeto, pois, é desativar o cenário de “tempestade perfeita”, para o qual é preciso entender as dinâmicas que estão operando na sociedade e definir linhas de atuação organizada das forças políticas e sociais progressistas, para que sejam capazes não só de bloquear o golpismo, como também de avançar com o projeto democrático e popular, que a direita busca bloquear e desmoralizar.
Nesse sentido, o debate sobre a economia será importante. Que desfecho terá o processo de ajuste econômico neste ano? Difícil prever.
Na opinião pública está um dos flancos abertos: níveis de rejeição ao governo como os atuais somente foram constatados em 1992. Por outro lado, uma pesquisa IBOPE realizada pouco antes do golpe de 1964 mostrou que João Goulart tinha na ocasião ampla aceitação na população. É claro que o PSDB e demais forças da direita tentam – com a convocatória da manifestação de 15 de março – transformar a insatisfação em movimento opositor de massas.
Nota-se também o surgimento de setores com condutas que poderiam ser classificadas de “fascistas”, que incluem a intolerância e as ameaças de violência. Esses segmentos antes não existiam ou ao menos não se expunham publicamente. Hoje, aparecem estimulados pela virulência verbal da oposição de direita e sentem que ganharam legitimidade para disputar a opinião e os espaços públicos.
De certo modo, o cenário é semelhante ao que assisitimos em outros países, como a Venezuela. Meses depois que Maduro venceu Capriles em 2013, as forças da oposição de direita tentaram “la salida” (“a saída”, ou seja ,a destituição do presidente), buscando derrotar Maduro nas ruas, ocupando-as inclusive com uso da violência, e exigindo o fim de um governo que apenas começava. Nessa tentativa, da direita venezuelana, felizmente fracassada, flertou-se com os setores militares e buscou-se aproveitar – como no caso brasileiro – das dificuldades econômicas que começavam a se agravar na percepção da população.
Diante desses antecedentes históricos e regionais, os principais desafios do governo Dilma parecem ser recompor a base de sustentação institucional, mas principalmente sua base social e política, na condição de base popular organizada.
Entre as dificuldades para esse segundo desafio estão as medidas econômicas tomadas ou anunciadas pelo governo para enfrentar a conjuntura econômica. Afora os problemas na comunicação do governo com a população – que têm sido sistemáticos – há o fato de que o peso do ajuste está injustamente distribuído na população, atingindo fundamentalmente os trabalhadores. Há que se reexaminar o conjunto das medidas com esse olhar.
A aposta principal é de recompor a ampla aliança social e política do segundo turno. Isso só será possível recalibrando o programa de enfrentamento da conjuntura econômica. Mas em relação aos principais indicadores, não se devem esperar boas notícias no curto prazo na economia. As projeções apontam para uma inflação de até 8% neste ano e para uma queda do PIB em 2015 em torno de 1% – ainda que alguns analistas prevejam números mais positivos, a partir de uma recuperação no segundo semestre.
A disputa política central na eleição de 2014 foi entre uma candidatura que defendeu emprego e renda para a população (Dilma) e outra que colocava as conquistas obtidas nessas matérias em risco (Aécio). E um problema que o governo enfrenta é que, nas medidas por ora anunciadas, não há ainda nada que sinalize claramente na direção do que foi reafirmado na campanha, como por exemplo políticas ativas de proteção ao emprego, com o fortalecimento da economia solidária, do cooperativismo e do microemprendedorismo, ou de um sistema público de emprego. A agenda de ajustes poderia ter vindo acompanhada de outras medidas tão ansiadas pelos trabalhadores, como a mudança do “fator previdenciário”, que timidamente o ministro Gabas anunciou por fora de qualquer agenda política e através de uma entrevista à grande imprensa.
A recuperação da economia, entre outras coisas, também dependerá do rumo que tome a situação da Petrobras e seu plano de investimentos. No momento atual, não há condições de manter alguns investimentos em novas refinarias. Porém, é urgente que se construa um plano de re-equacionamento para garantir a capacidade de investimento da empresa em exploração e ampliar o alcance da política de conteúdo nacional (que vem sendo burlada por algumas empresas), que é finalmente o que impacta diretamente na cadeia de fornecedores e ajuda na reindustrialização do país. Para isso, faz-se necessário contar com um fundo de recuperação do setor, ao qual as empresas acederiam comprometendo-se com novas condicionalidades.
Diversas análises consideram que o principal desafio está no PT. Afinal, na sistematização da narrativa sobre o enfrentamento da conjuntura vinculado à defesa do conquistado e à busca de mais conquistas, na definição da estratégia política e na rearticulação da base social de apoio ao projeto de transformação social, o partido é insubstituível.
Mas para reconquistar base e credibilidade, o partido deve enfrentar também a agenda da corrupção com firmeza.
Nem todos os sinais são positivos para a oposição de direita. Na Câmara dos Deputados, a bancada conservadora sofreu uma primeira derrota em uma votação sobre matéria relativa aos direitos da diversidade sexual. Os principais governadores tucanos, Beto Richa no Paraná e Geraldo Alckmin em São Paulo, passam por conjunturas de grande questionamento a seus governos pela crise administrativa e fiscal no primeiro e pela crise da gestão hídrica do segundo. Contam, porém, contam com ampla complacência e a acobertamento da mídia hegemônica.
Conjuntura social: situação das mulheres
A comemoração do Dia Internacional das Mulheres ensejou um balanço da situação feminina na América Latina e no Brasil. Os dados apontam para um aumento da importância das políticas públicas que buscam atender suas reivindicações, mas também para o fato de que infelizmente a desigualdade entre os gêneros, a discriminação e a violência contra a mulher permanecem como problemas graves.
A CEPAL divulgou um balanço para a América Latina e o Caribe segundo o qual uma em cada duas mulheres está fora do mercado de trabalho (entre os homens, temos um em cada dez) e uma em cada três mulheres não tem renda própria. A Secretária Executiva deste organismo, Alicia Bárcena, ressaltou um dado que indica a urgência em aprofundar as políticas de igualdade: se se equiparassem os ingressos monetários entre homens e mulheres (que cumprem o mesmo trabalho), a pobreza na região diminuiria em um 14%.
Ainda sobre as políticas públicas em defesa da mulher e da igualdade de gênero, cabe destacar a promulgação, pela presidenta Dilma, da lei que torna o feminicídio crime hediondo. Um avanço importante, sem dúvida, no enfrentamento à violência contra as mulheres. |