MARCOS_IANONI_artigos

por Marcus Ianoni

(Esse capítulo é uma versão atualizada do artigo “O que é constituinte exclusiva da reformapolítica” (Ianoni, 2014).)

Em junho de 2013, a presidenta Dilma Rousseff tornou pública a proposta de realização de um plebiscito popular, constitucionalmente respaldado, para que os eleitores decidam, soberanamente, se querem ou não que uma assembleia constituinte exclusiva implemente a reforma política. Como se sabe, essa proposta da presidenta Dilma Rousseff emergiu em resposta às grandes manifestações de rua então em curso, nas quais, entre outras demandas, os manifestantes queixavam-se, para dizer o mínimo, do sistema político. Diante da enorme difi culdade de sua aprovação no Congresso Nacional, a presidenta Dilma propôs que o povo, o dêmos, o soberano, se posicionasse. Imediatamente, abriu-se uma polêmica jurídica e política em torno da proposta. Afi nal, é possível, em tese, uma constituinte exclusiva para a reforma política?

A resposta pode ser positiva ou negativa. Nos dois casos, os argumentos centrais têm natureza política. Por exemplo, Ives Gandra Martins (2006) é a favor, Paulo Bonavides (2006), contra. O primeiro a defende, desde que sua convocação seja por emenda constitucional respaldada em plebiscito ou referendo e desde que seja exclusiva, ou seja, distinta das atividades ordinárias do Congresso. rande debate, urgente e necessário, que, na atualidade, pauta toda a conjuntura política.

Ele aposta na inovação institucional: “O plebiscito ou o referendo, conforme o teor da emenda a ser aprovada, representa a vontade popular em determinado período histórico, valendo, a meu ver, mais que a vontade dos constituintes passados”. Mas o segundo levanta o seguinte argumento: “Os grandes e pequenos colégios de soberania que forem convocados para promulgar Constituições e fazer emendas constitucionais poderão se tornar instrumentos de um novo gênero de ditadura: a ditadura constituinte, bem pior que a ditadura constitucional das medidas provisórias, que há muito mina e dilui a função legislativa do Congresso, bem como a autoridade da lei e da Constituição”.

O conteúdo da divergência entre ilustres constitucionalistas sobre a proposta de Dilma evidencia que o problema não é exclusivamente de técnica jurídica apartada da política. Ao contrário, há predominância de motivos políticos no debate. A polêmica expressa a natureza política ou sociopolítica do sistema normativo do Direito que tanto torna complexa a hermenêutica jurídica, em especial a constitucional, sendo a Constituição um texto político por excelência.

As modernas sociedades humanas, construídas incessantemente pelo aristotélico zoon politikon, têm no direito uma das bases de conformação da polis, ou seja, do Estado. A clássica definição que Max Weber dá ao Estado é simultaneamente política e jurídica: “Aquela comunidade humana que, dentro de determinado território […] reclama para si (com êxito) o monopólio da coação física legítima”. Se o que defi ne a política é o meio próprio que a caracteriza, a força, e não seus fi ns, que podem variar, ao atribuir ao Estado a pretensão de exercer o monopólio da coação legítima, Weber está mobilizando uma noção cara tanto ao direito quanto à política: a legitimidade. Assim o fazendo, ilumina tanto o caráter político do direito como o caráter jurídico do Estado, instituição máxima da política. Antes de Weber, Marx já havia qualificado o Estado como uma superestrutura jurídica e política à qual correspondem determinadas formas de consciência social.

Em uma análise realista, e não normativa, o que vai definir se a constituinte exclusiva é ou não legítima e viável será a competição política democrática, o debate público democrático, dentro e fora de instituições como o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal, embora essas instituições tenham relativa autonomia em relação à sociedade civil e à opinião pública. As ideias  jurídicas e políticas e o arcabouço jurídico efetivamente existente medeiam a disputa, são mobilizadas e apropriadas pelos atores para dar fundamentação intelectual a seus interesses e propósitos, em especial quando fluem livremente em regime democrático, como é o caso do Brasil atual.

Mas a sociedade brasileira sabe bem que as lutas políticas em regime democrático podem também desembocar em autoritarismo. As forças que promoveram o golpe de Estado de 1964 rasgaram a Constituição de 1946 por terem tido recursos políticos e militares para fazê-lo, opondo-se assim às demandas reformistas dos atores sociais de então. Não se trata, de maneira nenhuma, de defender o vale-tudo político e de negar Weber, considerando que toda força seja legítima, o que não é verdade. Em termos normativos, sou democrata, mais exatamente, socialista democrático, mas, na disputa política dos atores com recursos de poder, os valores incorporam-se às forças sociais efetivamente em ação que, devido à estrutura de classes e a outros motivos de estratificação e diferenciação, possuem visões diferentes sobre política, democracia, autoritarismo, direito, norma jurídica, constituição, legitimidade, soberania popular, participação etc. As próprias constituintes e revisões constitucionais surgem ou deixam de surgir lastreadas no efetivo processo histórico das lutas entre as classes, frações, partidos, grupos de interesse, na sociedade civil e nos aparelhos de Estado, por seus objetivos. As ideias, obviamente, sempre se fazem presentes, pois os homens pensam. É esse marco analítico que baseia o entendimento de que a adesão ou não à tese da assembleia constituinte exclusiva é uma questão, em última instância, da disputa política democrática, a qual os argumentos jurídicos e outros estão relativamente subordinados.

O país está em um processo histórico de mudanças e de lutas políticas. Felizmente, apesar da emergência de uma direita autoritária nas últimas manifestações de rua, defensoras da volta de um regime militar, a grande disputa hoje não é entre democracia e autoritarismo, mas sobre o tipo de democracia e de sistema político democrático. É uma disputa fundamental para o aprofundamento das transformações ocorridas no Brasil desde 2003 ou para o represamento da participação democrática e do sistema político nos limites do sistema representativo clássico.

Como a opinião pública recebeu a proposta de Dilma, que visa alavancar um sistema político mais responsivo aos anseios reformistas que foram às  ruas? As pesquisas de opinião, então realizadas, deixaram claro que a maioria da população gostou da ideia do plebiscito e mais gente ainda apoiou areforma política feita por um grupo de representantes eleitos para esse fi m. Em 2013, pouco antes das manifestações, a Fundação Perseu Abramo (FPA) encomendou uma pesquisa de opinião pública sobre a questão. O resultado coletado apontou que 75% dos eleitores eram favoráveis. Em agosto de 2013, pouco depois das manifestações, uma pesquisa Ibope-OAB revelou que 85% dos entrevistados eram favoráveis à reforma política e a seu encaminhamento por projeto de iniciativa popular legislativa. Ou seja, a população apoiou as propostas populares de reforma política, seja pela via do plebiscito, seguido da constituinte exclusiva ou iniciativa popular de lei.

Mas quem não quis e não quer que o dêmos, por meio de mecanismos participativos e diretos, assuma para si a responsabilidade de autorizar a realização de uma tarefa democrática que os seus representantes parlamentares não têm se mostrado capazes ou desejosos de implementar? Os conservadores. A começar por um número signifi cativo de parlamentares e lideranças políticas, destacando-se alguns notáveis do PMDB, como o vice-presidente da República e o presidente da Câmara dos Deputados. Segundo Michel Temer, “uma constituinte exclusiva para a reforma política significa a desmoralização absoluta da atual representação. É a prova da incapacidade de realizarmos a atualização do sistema político-partidário e eleitoral”. Mas essa incapacidade, embora lamentável e desmoralizante, é um fato. O processo da reforma política remonta aos anos 1990, mas as mudanças continuam travadas. Temer coloca os representantes acima dos representados, isola e congela as instituições representativas para protegê-las do calor transformador da soberania popular, concebendo-as como intocáveis, seja pela democracia direta (plebiscito), seja pela constituinte exclusiva – vista por ele como uma exceção inaceitável, ao menos por ora. Posição tipicamente conservadora, rigidamente apegada à âncora da democracia representativa, embora a Constituição de 1988 possua uma concepção mais ampla de participação democrática, que vai além do sistema representativo formal.

Já Ives Gandra constrói seu argumento em direção oposta e aberta à mudança. Ao defender a constituinte exclusiva da reforma política, desde que legitimada por plebiscito ou referendo, diz:

 Os povos evoluem, e cada geração tem o direito, em regime democrático, de decidir seu próprio destino […] se, mediante plebiscito ou referendo, o povo optar pela alteração de disposições relativas a regimes jurídicos ou políticos; democraticamente, isso será legítimo, podendo até mesmo a alteração atingir normas pétreas institucionais. (Martins, 2006)

Como diria Marx, os homens fazem a história. E, embora esse pensador clássico, ao se referir ironicamente a Napoleão III – que então liderara um golpe de Estado conservador na França, em 1851 –, tenha dito em relação àquela conjuntura histórica que a tradição das gerações mortas pode oprimir como um pesadelo o cérebro dos vivos, há também circunstâncias em que a energia das forças vivas pode libertar as instituições de velhas amarras, como as que no Brasil atual têm provocado insatisfação popular com o sistema político, partidos e parlamentos.

Enquanto Temer se apega ao isolamento do Congresso Nacional que, em matéria de reforma política, tornou-se um tradicional pesadelo, Ives Gandra, um notório conservador em outros temas, abre-se à história, valorizando a soberania popular: “O plebiscito ou o referendo, conforme o teor da emenda a ser aprovada, representa a vontade popular em determinado período histórico, valendo, a meu ver, mais que a vontade dos constituintes passados”.

Contrário à constituinte exclusiva, José Afonso da Silva (2010) afi rma que a mudança prevista na Constituição de 1988 só pode se dar por revisão ou emenda constitucional. Recorrendo à tese do poder constituinte originário, ele argumenta: “Não existe Assembleia Constituinte desvinculada do poder constituinte originário, que é o poder supremo que o povo tem de dar-se uma Constituição”. Ele tem uma preocupação fi nal progressista. Alega que essa constituinte “só vai servir aos interesses dos conservadores que nunca aceitaram a Constituição de 1988 e sempre estão engendrando algum meio para desfazer as conquistas populares que ela acolheu”.

Já o cientista político Cláudio G. Couto (2010), especialista no estudo de constituições, critica o alarmismo, argumentando que o Brasil é uma democracia sólida, de modo que uma eventual constituinte exclusiva poderia ser convocada com base num mandato bastante restrito, delimitando-se de forma precisa os títulos, capítulos e mesmo temas da Carta que podem ou não ser objeto de modificação.

Em 2006, Lula lançou a ideia de uma constituinte exclusiva para tratar da reforma política. Se a sociedade apoiasse a iniciativa, ele, então, encaminharia ao Congresso Proposta de Emenda à Constituição (PEC). Foi naquele contexto que Ives Gandra escreveu as linhas que mencionei anteriormente. Há várias vias jurídicas para encaminhar a constituinte exclusiva. Marco Maia (PT-RS) é autor da PEC 384/2009, que convoca uma assembleia constituinte para revisar a Constituição Federal (CF) em relação ao regime de representação política. O texto propõe que “serão eleitos os membros de uma Assembleia Constituinte Revisional, exclusivamente destinada a revisar os artigos da Constituição Federal relativos ao regime de representação política”. Nessa PEC, o proponente não recorreu à consulta popular. Quem convocaria a constituinte revisora seria o Congresso pela aprovação da PEC. Em 2013, antes das manifestações de junho, o Diretório Nacional do PT já havia aprovado a campanha de mobilização, que ainda está em pé, tendo como meio a coleta de assinaturas, para um projeto de lei de iniciativa popular, a ser encaminhado à Câmara dos Deputados, conforme faculta a Constituição, com o seguinte conteúdo:

1. Instituir o fi nanciamento público exclusivo de campanhas políticas mediante alterações na lei 9.504/97;

2. Voto em lista preordenada para os Parlamentos, mediante alterações nas leis 4.737/65, 9.096/95 e 9.504/97, observada a autonomia partidária (artigo 17, § 1o da CF);

3. Aumento compulsório da participação feminina nas candidaturas mediante alteração da lei 9.504/97;

4. Convocação de assembleia constituinte exclusiva sobre reforma política.

Por outro lado, diante da reação contrária dos conservadores à proposta de constituinte exclusiva da reforma política, 188 deputados federais de quatro partidos (PT, PCdoB, PDT e PSB) protocolaram na Mesa da Câmara, em agosto de 2013, um projeto de decreto legislativo (PDL) que dispõe sobre a convocação de um plebiscito para decidir sobre três matérias de reforma política:

1. Financiamento das campanhas eleitorais:

a. Você concorda com que empresas façam doações para campanhas eleitorais?

b. Você concorda com que as pessoas físicas façam doações para campanhas eleitorais?

c. Você concorda com que o fi nanciamento das campanhas eleitorais deva ser exclusivamente público?

2. Você concorda com que a população participe, opinando e propondo pela internet, quanto à apresentação de proposta de emenda constitucional, projeto de lei complementar e projeto de lei ordinária?

3. Você concorda que as eleições para presidente, governadores, prefeitos, deputados, senadores e vereadores devam ser realizadas no mesmo ano?

Note-se que o PDL não propõe a consulta popular sobre uma constituinte exclusiva. Nessa proposta de plebiscito, a consulta seria sobre financiamento de campanhas, mecanismos de democracia direta por meio da internet e sincronização das diversas eleições. Mas, mesmo deixando de fora a constituinte exclusiva, o plebiscito foi engavetado pela maioria da Câmara. Oposição à constituinte exclusiva e ao plebiscito, o que signifi ca isso? Resposta: os conservadores não querem que qualquer mecanismo de soberania popular destrave a reforma política; viram as costas para os protestos dos manifestantes das ruas contra as instituições políticas, especialmente os parlamentares e os partidos, e contra a corrupção, que tem no fi nanciamento empresarial de campanhas eleitorais uma de suas principais fontes. As campanhas eleitorais transformaram-se, signifi cativamente, em uma disputa entre os candidatos e partidos pela arrecadação de fundos das empresas e dos empresários, que contribuem com 98% dos recursos gastos. Para a atual legislatura, 72% dos deputados federais eleitos foram campeões de arrecadação. Essas doações privadas custam caro à justiça na vida pública tão almejada pelos eleitores. Por um lado, Temer praticamente assumiu que o Congresso está desmoralizado e incapaz de fazer a reforma política; por outro, vias democrático-populares de saída do impasse são rejeitadas.

O que fizeram, então, os representantes do povo, se não todos, a maioria deles? Formaram um grupo de trabalho, nomeado pelo ex-presidente da Câmara, o peemedebista Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), para formular uma proposta de reforma política. Os resultados, apresentados na forma de uma PEC, trouxeram mais polêmica ainda, sem contribuir para superar o  travamento crônico: sugere-se que cada partido opte livremente pelo tipo de recurso que quer para o fi nanciamento eleitoral (público, privado ou misto), mantêm-se as doações de pessoas jurídicas e inventa-se um sistema “proporcional distrital”, pelo qual os candidatos proporcionais seriam eleitos em circunscrições eleitorais subestaduais (distritos abrangendo regiões dos estados). Na verdade, essa ideia de “distritalizar” o sistema proporcional é uma concessão aos defensores do voto distrital puro ou misto. Tais propostas mantêm o financiamento privado e reforçam o personalismo na relação entre representantes e representados (não contribuindo para superar a fragmentação partidária), sob a alegação de que é preciso aproximar eleitos e eleitores. A mesma PEC está sendo adotada como texto-base na atual Comissão Especial da Reforma Política, constituída sob a batuta do novo presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e presidida por Rodrigo Maia (DEM-RJ).

A Consultoria do Senado Federal publicou, em 2010, um estudo assinado por Fernando A. G. Trindade que, depois de resgatar a experiência internacional sobre constituintes exclusivas para rever a Constituição, questiona a constitucionalidade da constituinte exclusiva para a reforma política proposta no Brasil. Ele recorre ao teor formal da Constituição de 1988, que não prevê uma “revisão constitucional efetuada por outro órgão que não o Parlamento ordinário”. O autor defende a “inconstitucionalidade de revisão constitucional efetuada por outros procedimentos que não o previsto no artigo 60 da Constituição Federal”. Tal artigo estabelece que a Constituição poderá ser emendada mediante proposta:

 I – de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal;

II – do Presidente da República;

III – de mais da metade das Assembleias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros.

Além da inconstitucionalidade da constituinte exclusiva quanto ao procedimento jurídico, Trindade (2010) questiona o mérito dessa proposta:

Temos a convicção de que uma constituinte exclusiva no atual momento histórico do país poderia provocar grave instabilidade institucional, com uma inevitável   tendência a conformar uma situação de dualidade de poder entre o Congresso Nacional e a constituinte, o que, segundo entendemos, não seria desejável. (Trindade, 2010)

Seu argumento tem vários pontos em comum com o de Michel Temer, mas apenas quanto ao mérito da proposta, pois o peemedebista não usou nenhuma palavra para questionar a constitucionalidade. O vice-presidente publicou o seguinte, em 2007:

Uma constituinte torna instável a segurança jurídica porque ninguém saberá qual será seu produto. […] Para realizar a reforma política, não é preciso invocar uma representação exclusiva. Basta mexer com os brios dos atuais representantes, que se animarão a realizá-la. (Temer, 2007)

Nada contra a emersão dos brios dos representantes do povo; ao contrário, oxalá isso aconteça, embora a maré não esteja para peixe no Congresso. Ademais, havendo alguma consulta sobre a constitucionalidade da proposta de Constituinte Exclusiva no âmbito do STF, não se ignora que, sem amplo respaldo na sociedade civil, a tese poderia ser rejeitada pelos ministros. Alguns deles já disseram que a reforma política deve ser feita pelo Congresso. Por outro lado, devido a problemas no âmbito do Legislativo, frequentemente a Suprema Corte tem tomado decisões que conformam o problema diagnosticado como judicialização da política, inclusive em temas pertinentes a conteúdos de reforma política.

Mas, como diz o ditado, “se Maomé não vai à montanha, a montanha vai a Maomé”. Organizações da sociedade civil e movimentos sociais estão pressionando os representantes do povo e também recorrendo ao Supremo Tribunal Federal (STF). A Coalizão pela Reforma Política Democrática e Eleições Limpas, composta por 95 organizações e movimentos da sociedade civil, entre os quais a CNBB e a OAB, está encaminhando uma campanha de coleta de 1,5 milhão de assinaturas para o Projeto de Iniciativa Popular de Reforma Política e Eleições Limpas até agosto deste ano. Elas serão encaminhadas ao legislativo federal para que Câmara e Senado votem as propostas de reforma política desses representativos segmentos populares organizados. E, na perspectiva da proposta da presidenta Dilma, está em andamento outra campanha, apoiada  por 69 organizações e movimentos, entre os quais Abong, CUT, MST e PT: o plebiscito popular por uma constituinte exclusiva e soberana do sistema político. Diante da recusa do Congresso em convocar o plebiscito oficial, com validação constitucional, essa campanha democrático-popular organizou um plebiscito popular, em setembro de 2014, no qual coletou quase oito milhões de assinaturas de adesão à tese da Constituinte Exclusiva. Embora o plebiscito popular não tenha respaldo constitucional, é um instrumento de luta e pressão das forças sociais para que os representantes do povo respeitem a demanda dos representados pela reforma política. Quanto à frente de batalha no STF, essa instituição está julgando uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI), com pedido de medida cautelar, de autoria da OAB, que questiona o financiamento privado de campanha permitido pela lei dos partidos e pela legislação eleitoral. A votação no STF está seis votos a um a favor da ADI da OAB, mas, desde 2 de abril, a ação está nas mãos do ministro Gilmar Mendes, por ter pedido vista aos documentos.

Enfim, a constituinte exclusiva pode, em tese, ocorrer por vários meios jurídicos, como PEC, plebiscito, referendo e iniciativa popular legislativa. Tais meios podem também ser combinados, como na proposta de Dilma, que visa consultar a população sobre sua realização ou não. Alguns detalhes podem variar, mas a assembleia constituinte exclusiva da reforma política teria duas grandes delimitações: seria convocada com mandato específi co para essa tarefa, encerrando após seu término, e composta por representantes eleitos apenas para esse fim. Em paralelo a ela, o Congresso Nacional funcionaria normalmente.

Diante da incapacidade da principal instituição da democracia representativa brasileira, o Congresso Nacional, de promover a reforma política, vêm sendo formuladas propostas baseadas nas instituições constitucionais de democracia direta, o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular de lei, para que o povo possa dizer a seus representantes o que quer e, assim, destravar o impasse nas instituições representativas. Se a constituinte exclusiva irá ou não ocorrer, dependerá da capacidade das forças sociais e populares que a defendem acumular, democraticamente, os recursos de poder necessários para afirmar, com legitimidade, sua vontade política sobre os adversários. Os últimos desdobramentos conjunturais, principalmente as eleições de 2014 e seus desdobramentos, evidenciaram a ascensão matizada de forças sociopolíticas e  político-institucionais de direita. Embora essa mudança na conjuntura esteja longe de signifi car uma derrota das forças democrático-populares, as lutas de classe ganharam um novo conteúdo e colocam o movimento democrático pela reforma política perante desafi os inéditos de organização e ação.

Referências bibliográficas

BONAVIDES, Paulo. Ditadura constituinte. Folha de S.Paulo, 4 de setembro de 2006.

COUTO, Cláudio G. Alarmismo infundado. Folha de S.Paulo, 4 de setembro de 2010.

IANONI, Marcus. O que é constituinte exclusiva da reforma política? Revista Teoria e Debate, São Paulo, 4 jun. 2014.

MARTINS, Ives Gandra da Silva. Constituinte exclusiva. Folha de S.Paulo, 8 de agosto de 2006.

MARX, Karl. O 18 Brumário de Luís Bonaparte. São Paulo: Abril Cultural, 1978.

SILVA, José A. da. Assembleia constituinte ilegítima. Folha de S.Paulo, 4 de setembro de 2010.

TEMER, Michel. Não à constituinte exclusiva. Folha de S.Paulo, 4 de setembro de 2007.

TRINDADE, Fernando A. G. Constituinte exclusiva para a reforma política?. Centro de Estudos da Consultoria do Senado, Textos para Discussão 80, dezembro/2010.

WEBER, Max. Economia e sociedade – Fundamentos da sociologia compreensiva. Brasília: Ed. UnB, 2004.

Trecho extraído do livro: “Reforma Política Democrática” – leia aqui