Reforma política ou constitucionalização?
por Luiz Antonio Correia de Carvalho
Em recente entrevista a Carta Maior, o mestre Wanderley Guilherme dos Santos, tal qual Spinoza, lembra, de outro jeito, que a palavra cão não late e nem morde. Ou seja, desanima os que esperam da mudança da norma (voto distrital, voto em lista, fidelidade partidária…) a salvação ex machina da chamada crise política brasileira. Esclarece que “ as provas, as evidências e os argumentos comprovando que não existe relação sistemática entre tipos de sistema político-eleitoral e nível de corrupção ou desempenho de desenvolvimento é dado pela História”.
Feita a advertência quanto aos falsos poderes das panacéias alardeadas pelos “homens da cobra” que infestam nossos espaços públicos, avança entretanto alguns dos pontos que deveriam compor uma agenda voltada para o fortalecimento da democracia brasileira: a federalização do país e a constitucionalização. Quanto à constitucionalização, registra que “ o Estado brasileiro não foi preparado para administrar uma sociedade democrática. É um Estado oligárquico preparado para administrar para pouca gente. Para o resto da população é porrada, polícia. Agora somos 180 milhões. O Estado brasileiro não tem condições de garantir as vigências dos preceitos constitucionais no território brasileiro. Tornar cada brasileiro detentor de direitos, esteja onde ele estiver, é crucial, fundamental, e tem a ver com a Reforma do Estado.”
Fundador e militante apaixonado do Partido dos Trabalhadores gostaria de usar o mesmo remédio dentro do partido. Mais do que novas leis ou regimentos, é preciso fazer cumpri-los, em toda sua extensão e em todo território. Um partido socialista e democrático de massas, ou social democrata a vera, não pode degenerar em abrigo de seitas mais ou menos criminosas, onde “lá fora” não se cumpre a lei, e muito menos aqui dentro. Se, ao invés de um instrumento na desoligarquização do país, o PT se transforma no abrigo pirata de novas oligarquias ou clepto-leninistas, como contar com ele para reformar o Estado brasileiro de maneira a tranformá-lo numa alavanca para a vigência do “ direito de todos”?
È claro que não digo isso por que impressionado com as “ denúncias” diárias dos que assumem publicamente que querem governar apenas para “ 60 milhões” como chegou a assumir o PSDB que, para o resto, propõe apenas, estender o curto cobertor da “rede de proteção social”. Digo isso por que sei que o PT pode isso e, na quadra atual da história brasileira, só ele pode. O PT não é um Mobral contemporâneo, em que alguns jovens estudantes levaram a alfabetização política às favelas, sertões e furos amazônicos do Brasil. O PT foi construído, ao mesmo tempo, em São Bernardo, SP, e em Gurupá, PA. Ganhava a prefeitura de Diadema, ao mesmo tempo em que ganhava a prefeitura de Gurupá, na várzea paraense. Em Diadema, com um egresso da histórica diretoria do sindicato dos metalúrgicos. Em Gurupá, sob a liderança dos sindialistas rurais que lideravam as comunidades ribeirinhas. Enganam-se os que pensam que o PT chegou agora aos grotões. O PT também veio de lá e por isso, no governo, sabe onde o calo dói. O PT, nas cidades e no “sertão” quer o poder para quê? Justamente, professor Wanderley, para “tornar cada brasileiro detentor de direitos”.
Alguns se deixaram corromper e passaram a buscar vantagens individuais, por vezes pela via criminosa? Claro. Já lá naquela prefeitura de Diadema. Lá, um também histórico diretor metalúrgico de São Bernardo, nomeado chefe de gabinete, logo esqueceu ou nunca compreendeu a missão histórica do partido e usou o cargo que tinha para melhorar seu limite do cheque especial e, foi indo, foi indo, acabou nos braços do Maluf. Ideologia? Conversa. Era muito mais esquerdista que muitos dos principais assessores da HH.
Fatos como esse, impediram a chegada ao poder do PT e que este, mesmo em governo de coalizão, governasse para todos? O que deu o tom do governo Lula? O banditismo? Mas se o Tribunal de Contas, conta; o Ministério Público, investiga; a Polícia Federal, policia; e o governo federal, distribui, por quê deixar de acreditar e lutar?
Tudo que nasce, merece morrer. Se articulações foram criadas, amalgamando defensores de táticas e estratégias opostas, para o bem da democracia partidária, para evitar que grupos sem representatividade social dominassem as convenções partidárias, e, por sua vez, degeneraram em grupos secretos, neófitos de negociatas, seitas paralelas que entronizaram e deram bons charutos a novas oligarquias e ornitorrincos de plantão, que partido brasileiro, por outro lado, pode convocar um congresso e, de baixo para cima, substituir direções, abrir o partido à influência social, gerar novas pautas de direitos e continuar liderando pobres da cidade e do campo na luta por políticas inclusivas? A direita só finge desejar a constitucionalização do país. O esquerdismo infantil nem considera isso bandeira respeitável. Apesar da histeria lacerdista de sua liderança -o que talvez se explique mais facilmente pelo oportunismo eleitoral e esclareça sua confusão quanto ao lado da barricada. História se faz todo dia. Constitucionalizar o Brasil, constitucionalizar o PT: devemos mais essa palavra de ordem ao mestre Wanderley. Quanto às vivandeiras de tribunal e falsos defensores da lei, basta a palavra de ordem que temos bradado contra os provocadores tucano-canibal-pefelistas: é ou não é piada de salão, a turma da Daslu, gritar pega ladrão!
*Luiz Antonio Correia de Carvalho é membro do Núcleo Eder Sader do PT do Rio de Janeiro.
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