Periscópio Internacional 29 – Um olhar sobre o Brasil

Edição 29 – Novembro de 2008

Começou a corrida presidencial de 2010

Concluída a eleição de prefeitos e vereadores, começa a campanha para as eleições de novembro de 2010, quando se elegerá a presidência da República, 27 governadores de estado, 2/3 do Senado Federal e toda a Câmara dos Deputados.

A campanha de 2010 influencia o balanço das eleições municipais. Grande parte das análises é feita com um olho na análise do passado (balanço dos resultados) e outro olho na construção do futuro (versões que favoreçam esta ou aquela candidatura).

Certamente as eleições de 2008 e os novos prefeitos e vereadores terão sua dose de influência na campanha de 2010. Muito mais influente será a situação econômica e social do país, que já sofre o impacto da crise internacional. A crise reabriu o debate sobre a política econômica do governo Lula.

O balanço das eleições municipais

Mal terminou o segundo turno das eleições, uma enxurrada de análises tomou conta das televisões, rádios, jornais, revistas e da internet. Vejamos alguns dados básicos.

No primeiro turno de 2008, o primeiro colocado em número de prefeituras foi o PMDB, com 1.195; o segundo colocado foi o PSDB, com 783; o PT conquistou 548 prefeituras.

Nas eleições municipais anteriores, o número de prefeitos/as do PT foi o seguinte: 411 (2004), 187 (2000), 116 (1996), 54 (1992), 37 (1988) e 2 (1982).

Os partidos que mais cresceram em número absoluto de prefeituras, em relação a 2004, foram: o PMDB (com 138 prefeituras a mais); o PT, com 137 prefeituras a mais; e o Partido Socialista Brasileiro, com 133 prefeituras a mais. Já o PSDB perdeu 88 prefeituras; e o DEM, também da oposição de direita, perdeu 294 prefeituras.

Levando em consideração o tamanho da população dos 5.528 municípios do Brasil, vemos o seguinte: em 2008, o PT venceu as eleições em 277 cidades com menos de 10 mil habitantes (contra 210 em 2004 e 77 em 2000); vencemos em 121 cidades entre 10 e 20 mil habitantes (contra 76 em 2004 e 28 e em 2000); vencemos em 82 cidades entre 20 e 50 mil habitantes (contra 58 em 2004 e 31 em 2008); vencemos em 45 cidades entre 50 e 150 mil habitantes (contra 36 em 2004 e 26 em 2000); e vencemos em 23
cidades acima de 150 mil habitantes (contra 22 em 2004 e 25 em 2000).

Levando em consideração a votação total obtida no eleitorado, veremos o seguinte: em 2008, o PT obteve 16.486.025 votos (16,6%). Isto significou um avanço em relação às eleições municipais de 2000 (quando obtivemos 11.938.734 e 14,1%, respectivamente) e um pequeno decréscimo em relação a 2004 (quando obtivemos 16.326.047 e 17,2%, respectivamente).

Este resultado nos coloca em segundo lugar, atrás do PMDB (18.422.732 e 18,6%) e na frente do PSDB (14.454.949 e 14,6%).

O DEM caiu de 11,8% dos votos em 2004 para 9,4% dos votos em 2008. O PSDB caiu de 16,5% dos votos em 2004 para 14,6% dos votos em 2008. A votação obtida por Kassab em São Paulo, é aproximadamente 23% da votação total dos Democratas em todo o Brasil. O DEM obteve este ano 9.291.086 votos ou 9,4% do total (contra 12.973.544 e 15,4% em 2000 e 11.238.408 e 11,8% em 2004)

É importante registrar que o PSDB foi o mais votado nas eleições municipais de 1996 e 2000. Já o PT foi o mais votado nas eleições de 2004.

O decréscimo percentual do PT, em relação ao resultado obtido em 2004, está provavelmente relacionado ao fato do Partido ter praticado em 2008 uma política de alianças que o levou a não lançar candidatos em cidades extremamente populosas (Belo Horizonte, Goiânia, Campinas, São Luís, Duque de Caxias, João Pessoa, Cuiabá, Aracajú, São João do Meriti, Campos), que somadas possuem cerca de 5.464.000 eleitores.

O PT é o terceiro colocado em número total de prefeituras e o segundo colocado em número total de votos. Mas obteve o melhor desempenho nas 79 maiores cidades brasileiras (capitais e/ou com mais de 200 mil eleitores). Nestas 79, o PT elegeu 13 prefeitos no primeiro turno e disputa o segundo turno em outras 15 cidades. Em segundo lugar estão, empatados, o PMDB e o PSDB: cada qual elegeu 9 prefeitos no primeiro turno e disputa o segundo turno em 11 cidades.

O balanço do segundo turno

No segundo turno, 26.843.804 eleitores voltaram às urnas em 29 cidades, sendo 11 capitais. O segundo turno foi uma tripla medição de forças: entre o governo e a oposição; dentro da base do governo, entre PT e PMDB; e dentro da oposição, entre José Serra e Aécio Neves.

O resultado do segundo turno (especialmente nas capitais) consolidou a vitória do governo. Mas o principal líder da oposição manteve seu espaço, com a reeleição de Kassab em São Paulo.

No que toca a disputa no interior do PSDB, Serra largou com vantagem. Venceu na capital de São Paulo, ultrapassando o PT e o próprio candidato oficial do PSDB (Geraldo Alckmin). Já Aécio Neves amargou derrotas importantes para o PT, no interior de Minas Gerais; e saiu politicamente chamuscado da eleição em Belo Horizonte.

Na base do governo, há um fortalecimento relativo do PMDB, do PSB e do PCdoB. Este último passou a governar uma capital (Aracaju) e disputou o segundo turno em outra (São Luís). Já Ciro Gomes viu sua candidata perder as eleições em Fortaleza, capital do Ceará, sua principal base política.

Das 7 capitais que governa hoje, o PT venceu em 6 capitais já no primeiro turno. A exceção é Belo Horizonte, onde o PT local abriu mão de ter candidato e realizou uma coligação de fato com o PSDB, na contramão da política nacional de alianças do PT, amargando uma derrota política no primeiro turno e vencendo o segundo turno graças às debilidades do adversário. Seja como for, o PT sai derrotado da eleição de Belo Horizonte, passando a ser força auxiliar de um governo que será hegemonizado pelos tucanos. Já no interior do estado, o PT contrário a aliança com o PSDB saiu-se bem, o que indica que o prefeito Pimentel não terá facilidades para, mesmo com apoio de Aécio, virar candidato a governador.

Dos 411 prefeitos/as eleitos/as em 2004, o PT conseguiu a reeleição em 230 cidades, uma taxa de 56% (em segundo lugar vem o PSB, com 45,5%).

A principal disputa no segundo turno foi, sem dúvida, a capital de São Paulo, onde o PT só venceu quando não havia segundo turno (1988) e quando tivemos o apoio do PSDB contra Maluf (2000).

O balanço da grande imprensa

Segundo o jornal Folha de S. Paulo, “PT e PSDB terminam a eleição com balanços semelhantes”: “nas últimas quatro eleições. Nelas, o PT faz uma curva ascendente, vencendo o rival em rankings importantes, como o número de votos recebidos e o eleitorado governado. Em 1996, a sigla só tinha mais votos para prefeito que o PSDB em 5 Estados. Em 2000, em 6. Em 2004, o mapa foi dividido ao meio, com cada legenda conquistando a dianteira em 13 Estados. Este ano, o PT foi o mais votado em 16 Estados. Na soma geral, o PT teve 2 milhões de votos a mais- 16,4 milhões contra 14,4 milhões do PSDB. Foi mais uma vez vitorioso nas regiões Sul e no Nordeste, mas levou a pior no Sudeste. O PSDB perdeu terreno, mas manteve a hegemonia em Minas Gerais e São Paulo. Neste último, os tucanos tiveram 600 mil votos a mais. Apesar do provável duelo em 2010, PT e PSDB devem ter a polarização dificultada pelo crescimento do PMDB. Em 2008, pela primeira vez em 16 anos, os candidatos peemedebistas foram os mais votados (18,4 milhões), assumindo a liderança que foi do PT, em 2004, e do PSDB, em 2000 e 1996. O mau desempenho nas capitais reduziu o ritmo de crescimento do PT. Em 26 eleições, o partido teve 6 vitórias, 3 a menos do que em 2004. E os triunfos aconteceram em Fortaleza, Recife, Porto Velho, Vitória, Rio Branco e Palmas -cidades que, juntas, têm 3,4 milhões de eleitores, menos do que o Rio (4,6 milhões). O PSDB também sofreu uma desidratação nas capitais- elegeu 4 prefeitos contra 5 em 2004. Em janeiro, administrará São Luís, Cuiabá, Curitiba e Teresina, com eleitorado somado de 2,75 milhões de pessoas. Apesar disso, considerando todo o país, conquistou mais cidades que o PT- 785 contra 560 municípios”.

Impressionante é o editorial do jornal O Globo, intitulado “Recados ao PT”: “numa visão mais geral, o PT parece repetir a trajetória de partidos que, com o tempo, começaram a ser empurrados para centros urbanos menores, onde o exercício da política costuma ser mais fisiológico, menos esclarecido. Geralmente são legendas que chegam ao poder e nele usam sem parcimônia e pudor a chave dos cofres públicos”.

O editorial vai além: “parece claro que nas três cidades – São Paulo à frente – o PT derrotado foi o do mensalão, dos aloprados, dos delúbios, do aparelhamento da máquina pública etc. É nos maiores centros urbanos onde está o eleitor mais esclarecido, junto ao qual a imagem do partido, tudo indica, continua arranhada”.

Marco Antonio Villa, historiador à serviço do PSDB, vai na mesma linha (Folha, 28/10): “O exército de aloprados prepara-se para o combate. Eles sabem que não podem perder o acesso privilegiado ao poder. Não mais sobrevivem distante dele. E farão de tudo para continuar mais quatro anos (oito seria melhor) usando e abusando das benesses produzidas em Brasília”.

Já o Estado de S.Paulo é cauteloso: “o resultado das urnas nas 26 capitais nesta eleição municipal aponta para um equilíbrio de forças entre o governador de São Paulo, José Serra (PSDB), e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para o duelo PSDB x PT em 2010. O petista, entretanto, leva ligeira vantagem. Se a eleição presidencial fosse hoje, Lula – e, conseqüentemente, o candidato do petista ao Planalto – teria 13 prefeitos de capitais ao seu lado, contra 10 a favor de Serra – principal nome do PSDB à disputa de 2010. Em três municípios – Belo Horizonte, Salvador e Manaus – , a predileção por um ou outro ainda não está clara”.

As análises provenientes da direita afirmam, geralmente, que as eleições posicionaram muito bem a oposição para as eleições de 2010; que a capacidade de transferência de votos por parte de Lula foi em 2008 menor do que se imaginava, logo assim será também em 2010; que o PT saiu-se mal ou pelo menos bem pior do que queria; e que o PMDB tornou-se o fiador da próxima disputa presidencial.

As análises provenientes da ultra-esquerda (PCO, PCB, PSTU, PSOL, Consulta Popular e adjacências) oscilam entre comemorar as derrotas do PT e lamber as feridas provocadas por um desempenho eleitoral abaixo da crítica, com raríssimas exceções, o que impregna seus textos de um mal-humor generalizado com relação às eleições, ao processo, ao povo e de maneira geral, à realidade. Exemplo disto é a entrevista concedida ao jornal Brasil de Fato de 6 de outubro, por Plínio de Arruda Sampaio (PSOL) e Ricardo Gebrin (Consulta Popular). Para Plínio, o resultado da eleição foi “uma vitória monstruosa da direita e uma derrota monumental da esquerda”. Para Gebrim, a “grande marca desta eleição foi a despolitização”.

A análise da direção nacional do PT (www.pt.org.br) afirma que as eleições foram “uma vitória do PT, do governo Lula e da base aliada”. Já o site Carta Maior, também de orientação petista, afirma que “o processo eleitoral de 2008 terminou com uma clara reaglutinação do conservadorismo sob as asas do tucano José Serra”, embora aponte que a frente PSDB-DEM terá dificuldades para “empalmar o cetro da ‘mudança'”, uma vez que esta frente “desde sempre se posicionou como o patrono nativo e o ventríloco ideológico mais aguerrido da ressurreição do laissez-faire e o correspondente rebaixamento da dimensão pública da vida em todas as suas esferas, da economia à política, da cultura à subjetividade. Foi esse trator privatista que implodiu agora levando o sistema capitalista mundial a uma crise só equiparável a de 29 – ou pior”.

Outras dimensões da análise

A análise da eleição de 2008 deve levar em conta:

a) suas três dimensões –uma claramente municipal, uma fortemente estadual e uma terceira, explicitamente nacional–, que se combinaram de diferentes formas por todo o país, grande e complexo demais para caber em explicações excessivamente simplificadoras;

b) que não existe uma relação direta e inequívoca entre as eleições municipais e as eleições presidenciais. Entre 2008 e 2010, muito acontecerá, a começar do exercício dos novos governos, que pode reforçar ou inverter completamente a vontade popular expressa em 2008;

c) que o ambiente em que transcorreram as eleições municipais de 2008 tende a ser bem distinto do cenário que se avizinha para 2010, entre outros motivos por conta da crise internacional e de seus impactos no Brasil;

d) que há profundas diferenças entre os municípios brasileiros. À medida que as cidades crescem de tamanho, diversifica-se sua base social, o que exige atentar para o comportamento político de classes e frações de classe. Fenômeno que também é atravessado por uma dimensão regional, ainda pouco estudada e explicada, que leva o PT a enfrentar maiores dificuldades no Paraná, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul; e a conquistar maiores êxitos no nordeste do país;

e) é necessário considerar as dificuldades do PT nas capitais de São Paulo e Rio de Janeiro e em que medida isto está ligado as dificuldades de relação com as classes médias – tradicionais e emergentes , inclusive por conta da crise de 2005;

f) que –ao contrário das expectativas e das promessas– a corrupção eleitoral, a compra de votos, a fraude e a violência se fizeram presentes com muita força nas eleições de 2008. O que teve enorme influência no desempenho da esquerda em geral e do PT em particular, na eleição para vereadores, que deve ser objeto de análise específica.

O peso de Lula

O ambiente geral do país, que leva Lula a alcançar 80% de aprovação popular, favoreceu todos os governantes, independente de partido. Por isto, a taxa de reeleição, em 2008, foi superior a 50%, a mais alta desde 2000. Dos 20 prefeitos de capital que disputaram a reeleição, 19 foram reeleitos (a exceção foi o prefeito de Manaus).

Neste ambiente, a questão não é “se” o apoio de Lula influenciou, mas “como” e “para quem” este apoio influenciou, uma vez que todos os partidos da base governista disputaram este apoio. Aliás, até os partidos de oposição tentaram neutralizar, ou até mesmo “pegar carona” na popularidade de Lula. Não tiveram muito sucesso nisto, é verdade: o PSDB, o DEM e o PPS perderam eleitores e prefeituras.

O jornal O Estado de S. Paulo (29/10) confirma que durante o governo Lula houve “uma desidratação municipal dos partidos de oposição. Em relação ao mapa eleitoral municipal de 2000, quando o tucano Fernando Henrique Cardoso ainda era o presidente, PSDB, DEM e PPS, atualmente as principais legendas da oposição, já encolheram em 910 prefeituras”.

A maior redução “aconteceu com o DEM, que deve comandar a partir do próximo ano 532 cidades a menos do que fazia em 2000, quando ainda se chamava PFL”. Em 2000 “o então PFL ganhou em 1.028 cidades. Quatro anos depois, caiu para 790. Desde então, já com o nome novo e um discurso muito forte de oposição ao governo federal, a queda foi mais drástica ainda, com a vitória em apenas 496 cidades, embora tenha vencido em São Paulo – a maior de todas.”

Entre os tucanos, “a queda foi menos sensível até por conta dos importantes governos regionais controlados pelo partido, como São Paulo e Minas Gerais, e pela expectativa de poder para a sucessão presidencial de 2010. Afinal, o partido tem hoje nos governadores de São Paulo, José Serra, e de Minas, Aécio Neves, dois nomes com grande potencial político para disputar a sucessão de Lula. Mesmo assim, os tucanos perderam 204 cidades desde 2000”.

“Menor dos três partidos de oposição, o PPS “em 2000, tinha 166 prefeituras. (…) Com a vitória de Lula, o PPS se juntou à base aliada (…) saltou em 2004 para 306 prefeituras. Mas o PPS rompeu com o governo nesse mesmo ano (…) Na oposição, o PPS voltou a encolher, caindo agora para 132 prefeituras”.

A influência de Lula não é mágica, nem automática ou exclusiva a favor do PT. Em muitos lugares, o presidente da República fez questão de se manter afastado da disputa, especialmente em segundo turnos onde competiam partidos da base aliada. Assim, a derrota do PT não prova, em alguns casos até confirma, o quão decisiva pode ser a influência eleitoral de Lula. Num resumo: de 30 cidades onde houve segundo turno, partidos da base aliada venceram 26. Das 26 capitais brasileiras, a
base aliada governa 20.

A “vitória” da oposição

Em 2008, os partidos de oposição perderam prefeituras e alguns milhões de votos, em relação a 2004. Apesar disto, analistas ligados a oposição estão comemorando o resultado eleitoral. Explica-se: poderia ser pior. Imaginemos qual balanço estaria sendo feito, se o PT tivesse vencido em São Paulo, Salvador e Porto Alegre?

Nos três casos, o PT perdeu para o atual prefeito, que foi reeleito. Nestas três capitais, portanto, o status quo anterior foi mantido, com variações para menor em Porto Alegre e São Paulo e para maior em Salvador.
Ou seja: o resultado de 2008 não foi uma vitória da oposição. Mas manteve viva a possibilidade dela vencer as eleições presidenciais, uma vez que: a) Lula não será candidato a presidência em 2008; b) o PT não deu um salto de qualidade em termos de votos e cidades governadas; c) manteve-se a possibilidade de colocar uma cunha na base governista, através da sedução de alguns partidos da base.

A direita sabe que, tanto em 2002 e 2006, partidos da “base aliada” não apoiaram Lula no primeiro turno. Em alguns casos, estes partidos não apoiaram oficialmente Lula, nem mesmo no segundo turno.

A oposição pretende, em 2010, estimular várias candidaturas presidenciais oriundas da base, na expectativa de que assim o candidato do PSDB vá para o segundo turno, em primeiro lugar.

A oposição também pretende cooptar partidos da base aliada, desde o primeiro turno, para a coligação oposicionista. Parte do sucesso desta operação de cooptação exige, paradoxalmente, valorizar o passe dos possíveis aliados.

É isto que explica a insistência com que o PMDB é apresentado como o grande vencedor das eleições. Isto apesar do desempenho do PMDB permitir outras análises: segundo O Estado de S. Paulo, aliados “de Fernando Henrique em 2000, os peemedebistas conquistaram a gestão de 1.257 cidades. Na eleição seguinte, em 2004, houve uma queda por conta da demora do partido em aderir completamente ao novo governo petista. O PMDB perdeu 200 prefeituras, mas mesmo assim ainda venceu em 1.057 cidades. Agora, completamente afinado com o governo Lula, o partido voltou a se fortalecer, com vitórias em 1.203 municípios”.

Ou seja: medido com a mesma regra aplicada às oposições, o PMDB está menor hoje do que em 2000; e chegou aonde chegou, graças ao governo. É verdade que isto não altera dois fatos: o PMDB teve o maior número de votos e elegeu o maior número de prefeituras. Mas há que se considerar, também, que nada garante que o PMDB vai marchar unido em 2010. Coisa que não conseguiu fazer, nem em 1989, nem em nenhuma das outras eleições presidenciais.

A oposição e a crise

A oposição fala que Lula não transferiu votos, mas… a) privadamente, torce por uma piora na situação econômica, o que pode prejudicar a popularidade do governo e as chances de sua candidata à sucessão; e… b) publicamente, defende que o governo corte gastos.

Segundo o professor José Pastore (24/10): “sem contar os juros, o grosso dos gastos federais tem sido com salários e assistência social. Em 2007, foram despendidos cerca de R$ 110 bilhões com a folha salarial e R$ 337 bilhões com a assistência social, incluindo a Previdência”. Incapaz de defender corte nos gastos com juros, o professor Pastore prefere atingir os mais fracos: “nos tempos de normalidade, o Brasil praticou um assistencialismo galopante que bem se justifica nas horas de graves crises. Onde buscar agora o dinheiro para ajudar os mais vulneráveis se a crise se arrastar? Essa é a conseqüência mais nefasta das políticas que, para garantir popularidade, comprometem a sustentabilidade”.

Segundo o ex-presidente do BC (29/10), Affonso Celso Pastore, “a economia brasileira vai ter que passar por um ajuste, e é um ajuste na direção da desaceleração do crescimento. Se nós temos que fazer um ajuste de conta corrente, de câmbio real, temos que trazer para baixo a absorção doméstica. Pelo que eu tenho visto das últimas manifestações do governo, não há disposição de cortar os gastos. De vez em quando, há uma insinuação do presidente, de que se for preciso ele corta. Mas, como o ministro da Fazenda [Guido Mantega] é keynesiano desde criancinha e prefere aumentar o gasto diante de uma restrição como essa, a redução da absorção terá que ocorrer no consumo das famílias e no investimento. Infelizmente, mais no investimento”.

Resumidamente, os Pastore e parte da oposição defende crescer menos. O quanto há de ciência neste raciocínio? A resposta está no artigo de outra oposicionista, a professora Eliana Cardoso (30/10) : “A vida é um colar de eventos imprevisíveis (…) o mundo é cheio de surpresas, algumas delas momentosas como os cisnes negros de Taleb: a destruição das torres gêmeas em Nova York, o tsunami na Indonésia e a crise financeira americana. São eventos imprevisíveis e de impacto formidável, para os quais inventamos explicações a posteriori”.

O governo e a crise

O governo, que inicialmente adotou uma atitude blasé frente a crise, agora já fala que ela será longa, impactante e de conseqüências imprevisíveis, embora siga afirmando que a economia brasileira está menos vulnerável que noutras circunstâncias.

Contraditoriamente, o Banco Central não alterou a sua política de juros altos. O Copom manteve ontem a taxa básica em 13,75%. Ou juros reais de 7,9% ao ano, o que coloca o Brasil em primeiro lugar (tirando a Islândia).

Como diz o economista Ricardo Carneiro, uma decisão “na contra-mão das decisões dos principais bancos centrais do mundo, cuja atitude, diante da ameaça de uma crise de grande intensidade, tem sido a de reduzir suas taxas de juros básicas, algumas das quais já em níveis negativos, como no caso americano”.

Para Carneiro, o BC “realiza uma política contraditória com o conjunto das medidas postas em prática pelo Governo, após o agravamento da crise (…): redução dos compulsórios; venda de divisas no mercado à vista e de proteção contra a variação cambial; alimentação das linhas de crédito ao comércio exterior com reservas internacionais; garantia de volume de crédito para várias atividades por meio dos bancos públicos”.

Se o objetivo destas medidas é evitar “contração do crédito”, qual o “sentido de manter a taxa de juros em patamar tão elevado? Não seria mais lógico e coerente reduzir a taxa de juros e desestimular a corrida dos agentes em direção aos títulos públicos – no caso do Brasil generosamente remunerados e sem riscos?”

Não há explicação técnica para esta decisão do BC. Só há uma explicação política: Meireles compartilha da opinião segundo a qual o Brasil não pode crescer. E usa a autonomia de fato do BC para impor esta opinião.

O BC não está só

O Banco Central ganhou a companhia, recentemente, da Advocacia Geral da União: ambos estão na contramão da política geral do governo.

Renato Simões, da executiva nacional do PT, mostra que a Advocacia Geral da União acatou “o mais conservador dos entendimentos sobre o alcance da Lei de Anistia (…) Para a AGU, a Lei n. 6.683/79 outorgada pelos militares no início da distensão do regime autoritário, e a Lei n. 9.104/95, que indeniza as famílias de mortos e desaparecidos naquele período, trazem ‘um espírito de reconciliação e de pacificação nacional’ (sic) que poderia ser ‘perturbado’ pela reabertura de feridas cicatrizadas, no entendimento do órgão”.

A decisão da AGU contradiz a opinião oficial do governo, segundo a qual cabe a Justiça decidir sobre o alcance da Anistia. E contradiz a idéia, hegemônica no movimento de direitos humanos e na Justiça de países como Espanha, segundo a qual crimes contra a humanidade não prescrevem.

Para Renato Simões, “a AGU pode ainda reverter esse posicionamento. Está no banco dos réus da história do Brasil. Pode passar ao pólo ativo da ação, deixando a triste situação de réu para a de reparador de todo esse passado que herdamos e que queremos ver passado a limpo”.

Próximos lances

A agenda política de dezembro e janeiro está muito carregada: eleição dos presidentes da Câmara dos Deputados e também do Senado, especulações sobre reforma ministerial, debate sobre o pré-Sal, ritmo das obras do PAC.

Além das repercussões de fenômenos decorrentes da crise, tais como a concentração bancária, as férias coletivas concedidas por grandes empresas e as perdas dos fundos de pensão. E a luta por salários, que um editorial (28/10) do Estado de S. Paulo registrou, com preocupação, estar em ascenso. Sobre uma das repercussões da crise, escreve Bernardo Kucinski: “As perdas totais dos 350 fundos de pensão complementar superaram até outubro os R$ 40 bilhões, segundo a Secretaria de Previdência Complementar. Salvou-nos de um desastre maior, a demora do governo em autorizar os fundos a aplicar no exterior. Entre as mais afetadas está a Previ que aplicou 65% do seu patrimônio em renda variável. Seu patrimônio encolheu de R$ 140 bilhões de reais em maio para R$ 125 bilhões em setembro “.

O pano de fundo será o debate sobre a política econômica, mais exatamente sobre os ganhos do setor financeiro. Como lembra o professor Carlos Lessa, há recursos disponíveis para um forte investimento do governo e do setor privado nos setores produtivos do país, aumentando os gastos: “somente em juros o Banco Central brasileiro paga R$ 170 bi, quatro vezes mais do que o programa federal para Educação, orçado em R$ 40 bi”.