Encontro no dia 24 na capital pernambucana reuniu a militância do Nordeste e lembrou as mortes de Manoel Santos e Pedro Eugênio

“Precisamos reencontrar os compromissos dos primeiros anos do governo Lula, mais ativos no campo de integração latina. Até porque houve mudança da política norte-americana, apesar da barbeiragem deles quanto à Venezuela, deram um passo importantíssimo quanto à Cuba. Precisamos continuar os valores que marcam nossa política externa: multilateralismo, resoluções pela paz, respeito à autonomia dos povos, e trabalhar com mais ênfase nas questões Sul-Sul, em particular África e BRICS. Celso Amorim dizia que nossa diplomacia era altiva e ativa. Continua altiva, mas ativa, nem sempre.”

Acompanhe a íntegra do debate:

Esta foi uma das muitas avaliações do assessor-chefe da Assessoria da Presidência da Rebública e membro do Diretório Nacional do PT, Marco Aurélio Garcia, em sua fala durante o segundo debate preparatório ao 5º Congresso do Partido dos Trabalhadores (PT), ocorrido no dia 24 de abril, em Recife (PE), cujo tema era “O papel do Brasil em um mundo em transformação: a ordem econômica e geopolítica internacional”. O evento é parte de uma série de cinco debates nacionais que vão contribuir com discussão de base para a segunda etapa do congresso do partido e é uma iniciativa da Fundação Perseu Abramo (FPA) e da Comissão Executiva Nacional (CEN) do PT.

Com abertura da vice-presidenta da FPA Iole Ilíada, o debate contou com as participações de Mônica Valente, secretária de Relações Internacionais do PT; Maria Regina de Lima, professora do IESP-UERJ; Fátima Mello, coordenadora da Fase e da Rebrip; e Víctor Baez, secretário-geral da Confederação Sindical de Trabalhadores das Américas/CSA. A presidenta do Diretório Estadual do PT-PE e deputada estadual Teresa Leitão coordenou a mesa. Entre a militância presente, parlamentares como o deputado federal Fernando Ferro e o senador Humberto Costa, ambos do PT-PE.

Homenagem
O evento contou ainda com uma homenagem a Manoel Santos, ex-presidente da Contag e deputado estadual pernambucano, e Pedro Eugênio, ex-deputado federal, petistas falecidos em abril. Para Ferro, o partido foi tomado de choque. “Perder dois quadros políticos como Manoel e Pedro foi duro. Pedro tem história de militância, de resistência à ditadura, participou do governo Arraes. Compromisso com a luta dos trabalhadores. Fomos deputados juntos e posso testemunhar seu compromisso. O mesmo com o companheiro Manoel, teve papel decisivo na organização dos camponeses do semiárido, na Contag, dos debates dos programas sociais, um intelectual orgânico da classe trabalhadora.”

O debate
A vice-presidenta da FPA, Iole Ilíada abriu os trabalhos. “Nosso objetivo é fornecer aqui reflexões e subsídios para nossos desafios programáticos, para um Congresso que acontece em um momento em que a direita mostra suas garras contra a classe trabalhadora, contra a esquerda e contra seu principal representante político, o PT. A nós nos resta enfrentar, resistir, lutar. Esse o nosso caminho”. Monica Valente também lembrou que “no ano passado, a questão internacional foi muito explorada, nossa política externa, muito criticada. Trata-se do mesmo entreguismo udenista que está por trás dos ataques à Petrobras, por exemplo.”

Ainda que tenha dito preferir debater o atual momento do país e do partido antes da questão internacional, Garcia abordou vários pontos importantes. “Há um certo consenso, doloroso para alguns, de que desde 1998, a América do Sul passou a viver uma realidade distinta: Chavez, Lula, Tabaré, Evo, Correa, modelos de centro-esquerda, com suas especificidades, tinham algo em comum. O Mercosul foi regenerado em parte, criamos a Unasul, um projeto de integração social, política e econômica, que transcendia a questão comercial.”

Para ele, esse movimento na América do Sul transbordou para outras regiões. “Houve um efeito de demonstração para a América Central, daí a Celac. Isso estava assentado em certas bases, política econômica, fundado em mudanças sociais, retirada de pessoas da pobreza, consumo, etc. Uma dinâmica que passou menos por questões exógenas, mas essencialmente de fatores internos. Com preservação de democracia e até refundação democrática. Houve a entrada de milhões de novos personagens na cena política e isso incomodou. Alguns dizem que esse modelo esgotou. Não concordo, mas ele bateu no teto. O ganha-ganha não é mais sustentável.”

Garcia também falou sobre a governança global e seus desafios. “Temos uma crise das instituições multilaterais, políticas e de governança econômica, financeira. Para os grandes problemas internacionais estão sendo criados ‘diretórios ad hoc’, caso do acordo nuclear Irã-EUA. A mixórdia no Mediterrâneo, imigrantes fugindo da miséria e de conflitos e morrendo aos milhares. Podemos ter de enfrentar isso aqui. Já recebemos 50 mil haitianos. Não seria problema, o problema é virem ilegalmente e sofrendo os tratos de coiotes. É um grande desafio, toca no ponto dos direitos humanos, caro à nossa política externa.”

Potência contra-hegemônica?
Maria Regina de Lima, da UERJ, tomou o tema da emergência da China a partir dos anos 2000. “A ideia de que haveria uma desconcentração da riqueza, aumentando a participação no bolo mundial. Mas esse processo não foi seguido pela democratização dos mecanismos internacionais. Todas as reformas complementares à expansão do poder econômico; reforma do FMI etc. As mudanças na América do Sul se deram quando os EUA estavam ausentes, ocupados por outras questões. Agora, os EUA estão de volta. O reatamento com Cuba é a admissão de que estavam perdendo o terreno para a China. E minha incerteza é se a China é mesmo uma potência contra-hegemônica.”

Víctor Baez, da CSA, atacou o que considera a luta da unipolaridade contra a multipolaridade. “Nos EUA, 25% dos trabalhadores não podem se organizar. Obama se preocupa muito com a democracia na Venezuela, mas não com seus trabalhadores. Na Europa, e agora aqui também, essa ofensiva da direita é o passado tentando engolir o futuro. Quanto à política externa, Hillary Clinton escreveu um artigo sobre um livro do Henry Kissinger no qual ela falou sobre países emergentes, Brasil, Índia, China, e se eles seriam solucionadores de problemas ou criadores globais de problemas. Nós temos esperança de que o Brasil continue promovendo a integração regional.”

Para Fátima Mello, da Fase e Rebrip, houve nos governos petistas a novidade de abrir o jogo da política externa para os movimentos sociais. “Os trabalhadores, camponeses passaram a dizer o que queriam das negociações mundiais. Para haver cooperação Sul-Sul que faça diferença ela tem que ter mais Estado, mais política. Não deixar os interesses empresariais tomarem a frente. Temos uma dívida histórica com o campesinato e se o agronegócio tem esse peso hoje na política externa é porque deixamos o latifúndio ditar as regras. Banco dos BRICS poderiam financiar mais a produção agrícola em vez de projetos de mineração.”

Debates em todo o país
A série de debates prévios ao 5º Congresso do PT está agendada para ocorrer nas cinco grandes regiões geográficas do País. São Paulo (SP) recebeu a abertura, no dia 16, com o tema “Neoliberalismo, pós-neoliberalismo e os desafios da construção do socialismo no Brasil” (saiba mais aqui). Todos serão abertos ao público em geral, não se restringindo à militância petista, e transmitidos ao vivo pela tevêFPA.

Os próximos acontecem em: Belém (PA), dia 8 de maio, com o tema “Modelo de desenvolvimento, redução das desigualdades e mudanças estruturais no Brasil”; Porto Alegre (RS), 18 de maio, “Os impasses da democracia no Brasil: a centralidade da reforma política e da democratização do meios de comunicação”;, e Brasília (DF), 28 de maio, “O Brasil e a equidade social: os direitos dos segmentos sociais historicamente discriminados”.

Congresso do PT
O 5º Congresso do Partido dos Trabalhadores (PT) será realizado em Salvador, na Bahia, de 11 a 13 de junho de 2015. Nele, os delegados e delegadas petistas vão discutir e deliberar sobre a atualização do projeto partidário, os desafios dos novos tempos, a situação nacional e internacional, as perspectivas de avanço do projeto político e a renovação do modelo de organização do PT, além da aprovação de um plano de ação partidária para os próximos quatro anos.

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 – São Paulo: primeiro debate prévio para o 5º Congresso do PT

Fotos Marcio de Marco e Marcelo Vinci