Segundo dia do Encontros de Memória e História, Etapa Livre do 5º Congresso do PT, organizado pelo Centro Sérgio Buarque de Holanda (CSBH) e UFBA

No segundo dia do Encontros de Memória e História, uma Etapa Livre do 5º Congresso do Partido dos Trabalhadores, organizado pelo Centro Sérgio Buarque de Holanda (CSBH), a Universidade Federal da Bahia, em Salvador, debateu, das 14h às 18h, Movimentos sociais: organizações de trabalhadores, territorialidades e sociabilidade, a primeira parte com o tema “Luta por direitos”; e a segunda parte tratou de “Memória e Política”. E das 19h às 21h30, Movimentos sociais: organizações de trabalhadores, territorialidades e sociabilidade.
 
Com transmissão da tevêFPA, o evento reuniu estudantes, pesquisadores e intelectuais de várias partes do Brasil e da Bahia. E deu continuidade à serie iniciada no último dia 13/05, na Universidade de São Paulo (USP), com a conferência “Marxismo e romantismo revolucionário, de Karl Marx a José Carlos Mariátegui”, com o professor Michael Löwy. E também no primeiro dia de debates em Salvador.


 
A primeira e segunda parte dos debates, teve moderação de Celma Borges, professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia, que  destacou “o fosso que existe entre a academia e os movimentos sociais”, além de parabenizar a Fundação Perseu Abramo (FPA) pela realização desta iniciativa.
 
Movimentos sociais e luta
 
Marisilda Silva, mestre em Ciências pela Universidade Federal de São Paulo, e José João Lanceiro da Palma, doutor em ciências pela Unifesp e secretário-executivo do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde, apresentaram a tese “Movimento de saúde da Zona Leste: Luta social e Conquista Do Sistema Único De Saúde”.
 
Marisilda e Palma mostraram que o Movimento de Saúde da Zona Leste (MSZL), que se constitui a partir dos anos 1970 e 1980 na cidade de São Paulo, na luta por equipamentos de saúde e melhores condições de vida, e que por meio do seu processo de constituição seriam criados os primeiros conselhos populares de saúde do país.
 
Palma criticou o papel secundário dos movimentos sociais na criação do SUS: “É como se o núcleo intelectual tivesse formulado e apresentado o SUS pronto e com sucesso. Sem nenhum debate sobre sua necessidade anterior…”
 
Segundo os pesquisadores, o SUS também teve e tem o papel de mudar as práticas de saúde, por meio da força da base popular. “O caso da saúde da mulher, que nasce da luta contra a violência a mulher”, explicou Palma.
 
Em sua tese, os pesquisadores mostram que os movimentos têm resistido com diferentes modos e intensidades. “O Movimento de Saúde da Zona Leste não ficou preso ao passado e sabe dele tirar sua força, modificando-se e trazendo à pauta novas questões que podem ajudá-lo a se atualizar e se reinventar. Neste ano de 2015, frente aos ataques à participação e à democracia, os movimentos sociais apostam no processo da 15ª Conferência Nacional de Saúde, para a construção de uma base social e política capaz de sustentar o projeto contra-hegemônico que é o SUS, e nele garantir a efetivação da participação e do controle social, servindo de exemplo às demais políticas públicas e abrindo possibilidades à construção de um novo tempo.”
 
Luta por direitos
 
O professor assistente na Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará – Unifesspa, Fábio Tadeu de Melo Pessôa, apresentou a tese “A Comissão Pastoral da Terra (CPT) e a Luta Camponesa no Sul do Pará em Tempos de Ditadura”.
 
Para o professor, houve uma  mudança de parte da igreja, que aproximou setores católicos dos sujeitos sociais em luta pela terra, e ela teve muitas motivações. Em sua tese, Pessôa detalha e tenta compreender esse processo: “para uns, tal reorientação teria ocorrido em razão da proximidade de pensamento de setores da Igreja com visões antes visceralmente combatidas, como o marxismo, gerando aquilo que Michael Löwy chamou de ‘Cristianismo de Libertação’. Para outros, seria uma resposta à aproximação do Partido Comunista Brasileiro (PCB) das lutas camponesas para com ele disputar as ‘bases’ dos setores populares em luta pela terra, assim como em relação às Ligas Camponesas, já que as ações desses dois grupos ao investirem nas lutas dos camponeses, ‘levaram à mobilização da Igreja Católica numa ampla cruzada de organização e conscientização dos trabalhadores rurais’”.
 
Segundo Pessôa, essa realidade vem desde o momento que se fez, historicamente, um processo de privatização da terra. Mesmo com a criação de órgãos de Estado, como Sudam ou Incra. “Há cada década se criava um órgão. O que não era e não foi solução para os conflitos, pois de um lado havia proprietários que tinham esses títulos de terra, dados por estes órgãos. E do outro camponeses que moravam há décadas naquela dita terra.  De quem é a terra?”, refletiu o professor.
 
“Então entra em campo a luta camponesa, para combater e a ajudar no processo de informação e defesa, usando formas de comunicação, desde a igreja até por meio de rádios. Muitas lideranças sindicais foram formadas pela igreja, principalmente, pela Pastoral da Terra”, explicou Pessôa.
 
Para ele “o papel político desempenhado pela CPT nas lutas camponesas no Sul do Pará foi muito maior do que mediar conflitos. Trabalho com a hipótese de que existia uma longa tradição histórica enraizada no movimento camponês, que se intensifica com a força aglutinadora da Igreja e com o discurso radicalizado presente na ‘Teologia da Libertação’, fundamentalmente através dos agentes pastorais das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), a partir da CPT e dos religiosos atuantes na Pastoral”.
 
Memória…
 
Patrícia Valim, professora-adjunta de História do Brasil Colonial na UFBA, apresentou a tese “Da criminalização do exercício político dos setores populares ao protagonismo nas lutas pela implantação de uma nova ordem social: o caso da Conjuração Baiana de 1798 e os usos dessa história nos séculos XIX, XX e XXI”.
 
Patrícia mostrou como um evento histórico teve duas interpretações. Primeiro ela foi considerada: “uma anomalia social e manifestação da barbárie habilmente abortada pelas autoridades régias.” No século XX, o mesmo evento, então, passa a ser “a mais popular das revoltas que antecederam a emancipação política do Brasil, em 1822.”
 
Essa polêmica, segundo a pesquisadora, “tem por objetivo a reflexão sobre os usos da história da memória histórica de um evento pátrio – Conjuração Baiana de 1798 – cujo legado simbólico de seus protagonistas foi retomado de tempos em tempos e parece ser destinado a servir de instrumento privilegiado para a reflexão ao sabor de distintas conjunturas.”
 
… e Política 
 
Tomando como base sua tese “Não estava escrito na estrela? Disputas por espaços políticos e construção de memórias a partir das ações armadas do PCBR (Bahia, década de 1980)”, Lucas Porto Marchesini Torres, mestre em história social pela UFBA, ressaltou a importância do debate e da iniciativa. E fez um contraponto com os fatos que ocorrem hoje.


 
O pesquisador usou como foco de sua tese um famoso assalto, que repercutiu nacionalmente internacionalmente, ocorrido em Salvador (1986), que teve como pano de fundo “militantes” do PT, pois estes foram os próprios assaltantes. Segundo o pesquisador, logo após essa divulgação, foi mostrado que os ditos “militantes” do PT, tinham outra origem: “eram do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário, grupo que anos antes envolveu-se na luta armada clandestina contra a ditadura e que na década de 1980 era uma tendência petista”.
 
Segundo Torres, o objetivo de sua tese é mostrar alguns aspectos relevantes para a história e memória. “ Apresentar elementos motivadores das ações do PCBR que não puderam ser revelados no período dos assaltos; – elencar consequências dos assaltos para o PT e para o PCBR; – apresentar traços da militância dos envolvidos nos assaltos no PCBR, no PT, na CUT e no Movimento dos Desempregados de São Paulo; – demonstrar como a estratégia de defesa dos militantes envolvidos no assalto comprometeu as tentativas de compreender aquela ação, tanto por parte de outros militantes como por cientistas sociais”.
 
Movimentos sociais: memória e história 
 
A última mesa de debates, das 19h às 21h30, teve como tema “Movimentos sociais: organizações de trabalhadores, territorialidades e sociabilidade”, com coordenação de João Carlos Salles, reitor da Universidade Federal da Bahia e apresentações de Marianna Dias, presidenta da União dos Estudantes da Bahia; Walter Takemoto, participante do Movimento Passe Livre/SSA;
Elisângela dos Santos Araújo, da direção executiva da CUT Nacional e  secretária-geral da Federação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar no Estado da Bahia (Fetrafba).
 
Salles, moderador da mesa, ponderou que há uma certa “simulação” nos novos movimentos, que chaga a não ser “espontâneos” e “muito forçado”. O reitor ainda analisou a história dos próprios movimentos e fez a seguinte indagação: “Ao longo da história, o movimento social oscilou em dois modelos e momentos. Um período o movimento era só catequese. E agora estamos só na escuta”.
 
Walter Takemoto, participante do Movimento Passe Livre/SSA, fez uma correlação entre as jornadas de junho e os movimentos histórico sobre tarifas. Ele ressaltou que as manifestações de junho teve entre suas marcas uma recusa às formas tradicionais de organização, como os sindicatos e partidos políticos. E teve ainda um diferencial, pois reuniu, em sua maioria, uma grande parcela dos estratos médios da sociedade. “Apesar disso, esse novo grupo de manifestantes não tinha um projeto político a defender nas jornadas. Os partidos de oposição e essa ‘nova” organização não conseguiram construir uma outra proposta para capitalizar o que foi os anseios dessas jornadas de junho”, disse Takemoto.
 
Para o militante do MPL/SSA, “se formos olhar os movimentos reacionários contra o governo Dilma, ou a volta dos militares; que defendem bandeiras conservadoras… vamos perceber que esses grupos copiam as formas de ‘organização’ das jornadas de junho. O Movimento Brasil Livre, um destes novos atores, de certa forma, busca se organizar via redes sociais, não aceita ajuda de grupos políticos [partidos]… Mas será que isso se dá de fato?”.
 
Para Takemoto é importante fazer um regate histórico do que foi a luta das classes trabalhadoras. O que elas tiveram a ver com o conjunto que a esquerda teve com suas lutas. “Neste momento precisamos voltar a fazer uma reflexão, com base nos erros, possamos fazer a disputa política do projeto pra a sociedade. Não basta constatarmos que o PT está longe dos movimentos de massa, como antes estava. Precisamos repensar o que precisamos fazer para retomar a inciativa política, cultural e ideológica sobre a sociedade. Ou se faz o trabalho de base e se reorganiza o movimento, ou nós não vamos conseguir construir esse novo movimento social”, constatou Takemoto.
 
Elisângela dos Santos Araújo, direção executiva da CUT Nacional e  secretária-geral da Federação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar no Estado da Bahia (Fetrafba), agradeceu a iniciativa e fez uma apresentação da CUT e sua representação nacional.
 
Ela explicou que começou sua militância nas Comunidades Eclesiais de Base, que contribui com esse alinhamento político; com o esse processo de luta no campo. Na Bahia foi muito forte! “A CUT se fortaleceu com os embates em todo o Brasil. A CUT sempre teve uma característica nacional mais urbana, mas na Bahia teve um grande crescimento, pois fez a luta pela reforma agraria”, explicou Elisângela ao falar da conjuntura de ação da entidade.
 
Para a dirigente sindical, “Há um esvaziamento da participação no cotidiano da Central. Isso nos preocupa! Os dados mostram que os trabalhadores que ascenderam, nos diversos ramos, tem vindo muito pouco para o movimento sindical”.
 
Mas Elisângela ressaltou que a Central não está parada vendo esse processo: “Nós temos que pensar um projeto de sociedade como um todo. O que podemos fazer para melhor quem saiu da extrema pobreza, para que essas pessoas avançarem?”.
 
Para o reitor da UFBA “Não deixamos de ainda ter de pensar a continuidade histórica dos movimentos sociais. Precisamos recuperar as análises da própria sociedade, que pode ter suas próprias bandeiras e sua forma de se manifestar”, conclui.
 
O debate teve uma ampla participação por meio de perguntas da plateia, que foi composta por representantes dos movimentos sociais, de estudantes, de acadêmicos, de militantes e da sociedade.

 – Trabalhos apresentados

 – FPA debate, em Salvador, experiências da esquerda e o golpismo no Brasil e América Latina

 – Michael Löwy aborda o romantismo revolucionário em palestra na USP