Por Lúcio Costa

Como é de conhecimento público recentemente, a Sra. Daniela Diniz, esposa de um desembargador de São Paulo, através de postagem não desmentida em rede social pediu a morte do ex-presidente Lula.

Para alguns, a Senhora Diniz ao defender a morte não apenas de Lula, mas igualmente daqueles que o defendem nada mais fez do que exercer o direito a liberdade de expressão. Felizmente não é assim, pois desde o ponto visto do Direito neste caso estamos, em tese, diante da prática do crime de ódio, ilícito previsto no ordenamento jurídico brasileiro.

Discurso de ódio e liberdade de expressão
A liberdade de expressão é o direito de manifestar livremente opiniões e ideias. Entretanto, o exercício dessa liberdade não deve afrontar o direito alheio, como a honra e a dignidade de uma pessoa ou determinado grupo. Assim, o exercício da liberdade da expressão tem como limite e impõe respeitar o direito do outro.

Desta maneira, um discurso que propague a ideia da eliminação física de outrem por suas opiniões não há de ser encarado como regular exercício do direito de liberdade de expressão.

O que é o crime de ódio?
O discurso do ódio pode ser conceituado como o ataque a grupos étnicos, raciais, religiosos, minorias sexuais ou a qualquer outro grupo vítima de preconceito caracterizado por pregar a intolerância em relação aos discriminados, buscando ou propondo, direta ou indiretamente, sua exclusão da sociedade, sua eliminação física.

Para que um ato de comunicação entre na categoria de discurso de ódio é necessária a presença de dois elementos básicos: discriminação e externalidade.

A discriminação é a atitude de marginalização e desqualificação que insufle o desrespeito pelo diferente e reduza o ser humano à condição de objeto, além de causar efeitos deletérios em suas vítimas como, por exemplo, diminuir-lhes a autoestima, torna-lhes alvo de ataques por terceiros, etc.

A externalidade é a transposição de ideias do plano mental (intimo) para o plano fático (público). Assim, o pensamento só se torna discurso de ódio quando é comunicado a outras pessoas.

A ocorrência dos crimes de ódio
Os crimes de ódio podem acontecer em todos os lugares e nas mais variadas situações. Suas expressões mais comuns são as agressões físicas, assassinatos, torturas, danos à propriedade da vítima, ameaças, intimidação de todos os tipos, comentários preconceituosos, insultos verbais referentes ao grupo a que a vítima pertence, bullying, tratamento diferenciado, imposição de salários menores, desprezo à forma estética da vítima, perseguição e etc.

Ocorrências desse tipo de violência são comuns e, além de atentarem contra a valorização da diversidade social, também afetam de maneira grave as relações sociais.

Discurso de ódio e vitimização difusa
O discurso de incitação do ódio tende a diminuir a autoestima das vítimas, impedindo assim a sua presença e participação na sociedade, incluído aí o debate público. Desta forma, ainda que as vítimas se defendam e falem, o discurso de ódio terá lhe retirado autoridade às suas palavras e erguido um “muro de surdez” que impedirá que sejam ouvidas, é como se elas nada dissessem, pois foram excluídas do diálogo e, dele participam apenas na condição de objetos, de sujeitos passivos.

É comum as vítimas do crime de ódio entrarem em depressão, sentirem-se desvalorizadas e vulneráveis. Muitas vezes, esse sentimento é espalhado a todo o grupo que sofre preconceito, gerando um forte mal-estar coletivo.

Ao atingir todos aqueles que partilham das características do grupo atingido o discurso de ódio produz a chamada “vitimização difusa” e, assim cria as bases de legitimação de atos de violência simbólica e física não apenas contra os participantes do grupo social atingido, mas igualmente contra seus elementos identitários como, por exemplo, centros religiosos, sedes, símbolos, etc.

Assim, da lógica presente no discurso de ódio não apenas emerge a violência contra individuos, mas igualmente contra os signos e marcas da presença social de um determinado grupo. Daí a violência tanto, contra os filhos e filhas de Santo, contra os homossexuais, as mulheres e os membros de movimentos sociais e determinados partidos quanto, os ataques às casas de religião, as ONGs feministas e as sedes destes movimentos e agremiações partidárias.

O crime de ódio na Internet
O crime de ódio na Internet é duplamente perigoso. Além de discriminar e tratar de maneira degradante determinados grupos sociais, também incita o preconceito em outros usuários da rede social, especialmente crianças e adolescentes.

Dessa forma, esse tipo de crime de ódio torna possível uma grave expansão de atos discriminatórios, discursos preconceituosos e atitudes agressivas. O que antes seria um caso individual, no mundo virtual atinge milhares de pessoas e influencia negativamente um enorme grupo de indivíduos.

O Direito e o discurso de ódio
Dispõe a Constituição:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

II – a cidadania;

III – a dignidade da pessoa humana;

V – o pluralismo político.

A seguir, em seu art. 3º,  a Constituição define que o objetivo da República Federal do Brasil consiste em :

“IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”

O artigo Art. 5º, inciso XLI estabelece que:

XLI – a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais;

XLII – a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;

O crime de ódio encontra-se presente na Lei 7716/89, art. 20:

Praticar, induzir ou incitar, pelos meios de comunicação social ou por publicação de qualquer natureza, a discriminação ou preconceito de raça, por religião, etnia ou procedência nacional.

Pena de reclusão de um a três anos e multa.

Há muitos tipos de crimes de ódio que não são englobados pela Lei acima citada, porém todo e qualquer tipo de delito de intolerância considerados os fundamentos e objetivos da República é considerado como crime. Desta forma, quaisquer vitimas de discurso de ódio e preconceito são igualmente protegidas.
Crime de Odio, Incitação e Apologia ao Crime

O crime de ódio inúmeras vezes faz-se acompanhar da prática da incitação de crime e da apologia de crime delitos previsto no Código Penal:

Art. 286 – Incitar, publicamente, a prática de crime: Pena – detenção, de três a seis meses, ou multa.

Art. 287 – Fazer, publicamente, apologia de fato criminoso ou de autor de crime: Pena – detenção, de três a seis meses, ou multa.

Incitar significa estimular, impelir, instigar. Neste caso, a incitação ao crime estará caracterizada quando o agente estimula publicamente a prática de um crime.

Fazer apologia significa elogiar, louvar, fazer discurso de defesa, assim sendo, quem incorre no delito de apologia ao crime está elogiando, publicamente, autores de crimes ou a ocorrência do crime em si.

Denúncia do discurso de ódio e defesa da democracia
Como visto,  prática de crime ódio é distinta e contraria a liberdade de expressão e, sua propagação ao contribuir à  constituição de um clima de perturbação social dado o incentivo a violência corrói e ofende ao Estado Democrático de Direito estabelecido pela Constituição da República.

Assim a denúncia não é apenas um direito dos cidadãos, é também um dever. Denunciar um crime de ódio não ajuda apenas a vítima, mas toda a sociedade e aqueles que poderiam ser agredidos caso tais crimes continuassem impunes.

Daí, que denunciar e coibir ao discurso de ódio seja um tanto, um ato de defesa da liberdade civil de cada pessoa mas, igualmente uma atitude de defesa das liberdades democráticas e da República Federativa do Brasil.

Denuncie o crime de ódio
O denunciante deve reunir o maior número de provas possíveis. É essencial imprimir as páginas, guardar os endereços virtuais, salvar os links dos indivíduos responsáveis pelo crime e tirar cópia das ofensas.

Para tirar uma cópia da página em que o preconceito está exposto deve-se usar o botão Print Screen (geralmente localizado no canto direito superior do teclado). Após situar a página no local em que apareça o endereço virtual e o conteúdo preconceituoso, o botão Print Screen deve ser pressionado. Logo depois, deve-se colar esse conteúdo (geralmente no programa Paint) e salvá-lo no computador.

Caso a vítima queira armazenar estas provas de maneira mais sólida juridicamente, poderá fazê-lo através de uma ata notarial, lavrada em Cartório de Notas.

A ata notarial é um documento elaborado por Tabelião, que por ter fé pública, lhe garante ampla validade jurídica. Assim, em uma ação judicial, a ata será aceita pelo Juízo como  um documento incontestável. Na ata o Tabelião declarará o conteúdo difamatório visualizado e poderá inserir prints de tela.

Uma vez que as provas estejam reunidas, o denunciante pode dirigir-se a qualquer tipo de delegacia. Há, em certos locais, Delegacias especiais para crimes virtuais. Há também a possibilidade de denunciar o conteúdo criminoso via Internet.

Os crimes de ódio na Internet
Para denunciar crimes contra os direitos humanos na internet: crimes de ódio acesse o site: http://denuncia.pf.gov.br/

O preenchimento do formulário disponível no site é o meio mais rápido para fazer a sua denúncia. Se o crime que você tem conhecimento não foi cometido por uma página da internet, utilize o serviço Disque 100 ou mande um email para denuncia.ddh@dpf.gov.br, e procure a Delegacia mais próxima.

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