Há 35 anos, Diretas já ganhava as ruas do Brasil
O dia 27 de novembro marca o aniversário do primeiro comício unificado das Diretas-Já, que ocorreu no ano de 1983, em frente ao Estádio do Pacaembu, em São Paulo, com participação do PMDB, do PT e do PDT, da UNE, da CUT, da Conferência Nacional da Classe Trabalhadora (Conclat) e da Comissão de Justiça e Paz (CJP) da Arquidiocese de São Paulo. A mobilização popular e a união da oposição foi fundamental para impulsionar a campanha, que foi ignorada pela imprensa em seus primeiros meses.
Inicialmente, o comício havia sido convocado apenas pelo PT. No mesmo dia, a CJP planejava realizar uma manifestação contra a intervenção norte-americana na Nicarágua. Depois de muitas negociações, as duas iniciativas acabaram unificadas em torno da bandeira das diretas no comício do Pacaembu. Começou a nascer ali a coordenação suprapartidária da campanha, que contaria com a adesão de mais de setenta entidades da sociedade civil. Um milhão de folhetos foram distribuídos com as palavras de ordem que contentavam todos os organizadores: “Por eleições livres e diretas para presidente da República. Contra o arrocho e o desemprego. Fora o FMI. Contra a agressão dos Estados Unidos aos povos da América Latina”. Quinze mil pessoas compareceram ao comício, dando a largada para a campanha que tomaria conta do Brasil nos meses seguintes. Naquela noite, por coincidência, morreu o senador Teotônio Vilela, um dos grandes nomes da resistência democrática.
A emenda Dante de Oliveira
Em abril de 1983, um deputado estreante, Dante de Oliveira (PMDB-MT), apresentou a proposta de uma emenda constitucional restabelecendo as eleições diretas já na escolha do próximo presidente da República. Apesar das promessas de abertura para a democracia, os militares planejavam uma transição mais lenta, e foram pegos de surpresa. Inicialmente, a emenda foi vista com ceticismo. Ela retiraria o poder do Colégio Eleitoral, que até então apenas sacramentava em eleição indireta as escolhas do alto comando das Forças Armadas.
Para surpresa do governo, no entanto, a proposta acabou sendo acolhida como prioridade pelos partidos de oposição, especialmente pelo PMDB, PT e PDT. Esses partidos avaliaram corretamente que a iniciativa poderia catalisar a insatisfação crescente com o governo Figueiredo, numa conjuntura de inflação alta e arrocho salarial. Assim, a emenda e o tema das diretas entraram não apenas na pauta dos partidos de oposição mas na agenda nacional, no mesmo momento em que os candidatos governistas à eleição indireta – Paulo Maluf, Mario Andreazza e Aureliano Chaves – começavam a disputar os votos dos convencionais do PDS e dos eleitores do Colégio Eleitoral.
Em junho de 1983 o governador Iris Resende, do PMDB, comandou em Goiânia o primeiro comício pelas Diretas, reunindo cerca de cinco mil pessoas. Nos meses seguintes ocorreriam manifestações ainda pequenas em Teresina (PI) e em diversas cidades de Pernambuco (chamadas pelo governador Miguel Arraes). Em 26 de novembro, os dez governadores eleitos pela oposição em 1982 (nove do PMDB e Leonel Brizola, do PDT), assinaram manifesto conjunto apoiando a emenda Dante de Oliveira e exigindo eleições diretas para presidente.
No dia seguinte então, 27 de novembro, aconteceu finalmente o primeiro comício unificado das Diretas-Já.
Nas semanas seguintes, várias cidades foram palcos de comícios de médio porte até que, em 12 de janeiro de 1984, o comício de Curitiba reuniu mais de cinquenta mil pessoas, abrindo a temporada das grandes manifestações. Elas dariam um salto no dia 25 de janeiro, quando uma multidão de mais de trezentas mil pessoas lotou a Praça da Sé, no centro de São Paulo.
A partir desta data os comícios pipocaram em diferentes capitais e grandes cidades do país: João Pessoa, Maceió, Belém, Rio de Janeiro, Cuiabá, Rio Branco, Manaus, entre outras. Alguns foram maiores, outros menores, mas o clima geral era de franca e generalizada mobilização. Novo recorde de participação foi alcançado em 24 de fevereiro, no comício de Belo Horizonte, que reuniu mais de quatrocentas mil pessoas, sob o comando do governador Tancredo Neves.
A votação da emenda foi marcada para o dia 25 de abril e os comícios, ganhando dinâmica própria, alastraram-se por todo o país. Os líderes maiores – Ulysses, Lula, Brizola e os governadores – já não conseguiam estar presentes em todos os eventos, que se sucediam em cidades como Florianópolis, Porto Alegre, Goiânia, Londrina, Natal, Petrolina, Uberlândia. Em alguns estados foram marcados comícios simultaneamente em várias cidades. A campanha seguiu num crescendo até o grande comício da Candelária, no Rio de Janeiro, que congregou mais de um milhão de pessoas no dia 10 de abril – a maior manifestação de rua da história do Brasil até aquele momento. Com a data da votação se aproximando, a comissão marcou o comício de encerramento para o dia 16 de abril em São Paulo. Um milhão e meio de pessoas ocuparam o Vale do Anhangabaú, batendo o recorde de comparecimento do Rio de uma semana antes.
Documentação e memória
Esse texto é um trabalho do Memorial da Democracia, o museu virtual do Instituto Lula dedicado às lutas democráticas do povo brasileiro. O Memorial traz um capítulo especial sobre a campanha das Diretas-Já.
A Fundação Perseu Abramo publicou na Revista Perseu nº 3 o artigo que a professora Maria Victoria Benevides publicou no mesmo dia 27 de novembro na Folha de S.Paulo, sob o título “Presidente quem escolhe é a gente“. Além disso, o Centro Sérgio Buarque de Holanda de Documentação e História Política tem dez negativos do histórico ato que abriu a série de manifestações a favor das Diretas Já e mais:
– 110 metros lineares de documentação textual (equivalente a mais de 900 caixas-arquivo),
– 300 adesivos,
– 1.970 cartazes,
– 8.040 fotogramas em folhas de contato fotográfico,
– 745 diapositivos,
– 21.450 fotografias,
– 24.030 negativos,
– 1.450 fitas audiomagnéticas,
– 1.410 registros audiovisuais em diferentes formatos,
– 80 bandeiras e faixas,
– 1.000 broches,
– 200 camisetas,
– outros materiais: brindes de campanha, bolsas, discos de vinil, bonés e chaveiros.