O Núcleo de Opinião Pública, Pesquisas e Estudos da Fundação Perseu Abramo (NOPPE/FPA) publicou no site da FPA o relatório de um estudo de cultura política intitulada “Percepções e Valores da Sociedade Brasileira Não-Polarizada” [clique aqui para acessar].

 

Produzida no final de 2021 pela equipe do NOPPE, em parceria com os professores da Fundação Escola de Sociologia e Política (FESP/SP) Isabela Kalil e William Nozaki, o estudo traça um quadro amplo e detalhado a respeito da formação, valores, visões de mundo e cultura política de parcelas da população de baixa e média renda com posicionamento político não polarizado.

Foram feitas 64 entrevistas em profundidade com duração média de duas horas cada. No roteiro, perguntas que giravam em torno da trajetória de vida, lugar na sociedade de classes, valores, percepções sobre política, democracia, o Estado e a crise que assola o país.

A amostra contou com homens e mulheres economicamente ativos das cinco regiões do país, moradores de capitais ou cidades do interior, segmentados por idade (18 a 25 anos, 36 a 50 anos), renda (até 2 salários mínimos e de 2 a 5 salários mínimos) e raça (negros e brancos), com perfil atitudinal não polarizado, a partir dos critérios utilizados em “sentimentos em relação ao PT” pelo instituto Vox Populi em 2019.

Resultados

O estudo identificou um perfil heterogêneo na camada da população pesquisada, com diversas possibilidades de combinações entre posições progressistas e conservadoras. No campo dos valores, esse público não demonstra comprometimento com nenhum “lado ideológico”. Posicionamentos ora identificados como progressistas, ora como conservadores, coexistem no mesmo indivíduo.

Não foi encontrada uma tendência anti-política ou um baixo interesse em política. A maior parte da amostra apresentou opiniões contundentes em relação aos temas abordados e bastante disposição em comparecer às urnas em outubro. A democracia é, para esta parcela da população, um valor importante – ainda que haja certa flexibilidade no julgamento de certos instrumentos autoritários de imposição da ordem.

Entre jovens e mulheres, segmentos que agrupam os maiores índices de resistência a Bolsonaro, tende a haver uma identificação maior com valores mais próximos ao lulismo. Jovens mostram maior adesão à pauta dos direitos civis e liberdades individuais, tipicamente progressista. Mulheres tendem a aderir com mais força a valores solidários e coletivos. Quando perguntadas sobre o valor que querem deixar para as próximas gerações, por exemplo, é mais frequente entre mulheres respostas que caminham no sentido de “empatia”, “respeito ao próximo”, “amor pelos outros” etc.

Por outro lado, segue sendo sobre o corpo das mulheres que se organiza importante expressão do conservadorismo. Na amostra, é alta a rejeição à legalização do aborto e ainda é atribuído às mulheres o dever dos serviços domésticos – mesmo que haja um entendimento de que o homem deve ajudar. Ainda que haja entre entrevistados um entendimento de que existem formas de preconceito racial e de gênero, nem sempre há endosso a políticas afirmativas. Com relação aos direitos LGBTQIA+ foi notada uma recepção bastante positiva e uma rejeição quase nula ao direito de amar e existir.

A amostra demonstrou valorizar o Estado e as políticas públicas também no que concerne à redução das desigualdades do país, ainda que tenham críticas à gestão da coisa pública e, principalmente, aos gestores. As críticas à administração pública passam mais por um viés de condenar um desvio moral individual do que por um foco mais institucional, ou seja, para as pessoas entrevistadas, não é o sistema político que é corrupto e ineficiente, mas os parlamentares, funcionários públicos, gestores que não trabalham para o povo. Da mesma maneira, não é a instituição da Polícia Militar que é vista como violenta e corrupta, mas alguns policiais que apresentam algum desvio moral.

Fortemente alinhados ao valor do trabalho e convictos da necessidade de batalhar para vencer na vida, os entrevistados tendem a ver o Brasil como um país de muitas riquezas naturais, culturais e povo forte e acolhedor, mas conduzido por uma elite que se beneficia de sua condição de poder e por uma classe política corrompida e comprometida apenas com seus interesses, o que torna a vida do brasileiro ainda mais difícil – e a necessidade de batalhar, incontornável. Aqui, “trabalhador” é visto mais como um atributo ou marca de valor do povo que como lugar ocupa na sociedade de classes.

Diante de adversidades, entendem ser preciso força e resiliência para alcançar seus objetivos, que envolvem não muito mais do que obter estabilidade financeira, conforto material, bom padrão de vida para si e os seus, o que significa acesso a mais e melhores bens e serviços. Neste sentido, é o padrão de consumo (incluindo bens essenciais) que dita a percepção de classe que os entrevistados têm de si e dos outros.