Por Márcio Santili

No último sábado (4), às vésperas do Dia Mundial do Meio Ambiente (5), Lula se reuniu com personalidades e organizações que representam o movimento socioambiental no Brasil. A simples ocorrência desse encontro já deixou evidente a diferença de postura entre Lula e Bolsonaro no trato dessa agenda. Mesmo sabendo da sua importância essencial em tempos de emergência climática, Bolsonaro a renega, hostiliza o movimento e promove ativamente a predação ambiental. Por sua vez, Lula reconhece a sua importância para melhorar as condições de vida do povo e para romper com o atual isolamento internacional do país.

O encontro aconteceu em São Paulo e foi promovido pela Fundação Perseu Abramo, responsável pela formulação do programa de governo da coligação de sete partidos que apoiam a candidatura de Lula para presidente. Também estiveram presentes Geraldo Alckmin, candidato a vice, representantes dos partidos e das principais redes de organizações socioambientais. Lula afirmou que a “transição ecológica” será tema transversal em seu governo, orientando a atuação dos ministérios e das políticas públicas.

O clima de aliança que permeou o encontro é historicamente incomum. Em eleições anteriores, as entidades desse campo se dedicaram à discussão de propostas com vários candidatos e mantiveram uma postura mais discreta na disputa eleitoral. A polarização política, a agressividade do governo e as tragédias climáticas recentes explicam essa junção. O Partido Verde e a Rede Sustentabilidade, que tiveram candidatos próprios nas últimas eleições, agora apoiam Lula.

Saída sustentável

Uma improvável reeleição de Bolsonaro atolaria o Brasil no fundo do abismo, mas qualquer outro presidente que vier a se eleger terá a missão de tirar o país dessa situação. Lula lidera uma ampla coalizão, que vai além da sua coligação partidária e inclui atores e setores que reconhecem nele o candidato que reúne as melhores condições para derrotar Bolsonaro. Tirar o Brasil do abismo é o projeto possível para os próximos quatro anos, que interessa a todos que rejeitam a ditadura e o obscurantismo como opção.

Mas o Lula que deve vencer em 2023 terá pouco a ver com o Lula de 2003. Bolsonaro não vai facilitar a transição e vai deixar um passivo descomunal. Vai tentar manter a polarização política e boicotar as ações do novo governo. Recuperar o país levará tempo e a fome não pode esperar. É provável que também ocorram emergências climáticas nos primeiros momentos do próximo mandato. O cenário interno não será fácil para um primeiro arranque.

Por outro lado, a superação do isolamento atual do país vai exigir ações rápidas e muito esforço do governo. Apesar da expectativa favorável da comunidade internacional, as cobranças serão imediatas. Por exemplo, já em novembro, entre a eleição e a posse, vai acontecer a COP-27, conferência da ONU sobre mudanças climáticas, a que o Brasil chegará, mais uma vez, com o desmatamento em alta na Amazônia e em outras regiões.

As melhores oportunidades para acessar novos investimentos e destravar acordos comerciais dependem da retomada das políticas socioambientais e da redução de emissões nacionais de gases do efeito estufa. Da mesma forma, a melhoria das condições de vida da população dependerá da mitigação dos efeitos das mudanças climáticas. A saída para a crise múltipla em que o país se meteu é pela via da sustentabilidade.

 

Sinalizações

O encontro de Lula com o movimento socioambiental é uma forma de reconhecimento à resistência aos retrocessos promovidos por Bolsonaro nas políticas respectivas. Mas também é uma sinalização, desde a pré-campanha, da disposição do seu futuro governo em conduzir o país no rumo da sustentabilidade. Outros encontros com movimentos, como o negro e o indígena, duramente afetados pela violência racista desses tempos, também apontam essa direção.

No encontro, Lula recebeu de Márcio Astrini, da coordenação do Observatório do Clima, o documento “Brasil 2045: Construindo uma potência ambiental”, de autoria das 63 organizações que o integram e que apresenta dezenas de sugestões específicas e concretas para os dois primeiros anos do próximo mandato presidencial, nesse sentido da superação da crise atual através de uma agenda sustentável. Parte dessas sugestões vai no sentido de sinalizar, de imediato, o rumo da mudança, revogando um pacote de normas editadas no atual governo para impor retrocessos.

Adriana Ramos, do Instituto Socioambiental (ISA), apresentou um resumo dos desafios atuais da conjuntura socioambiental e informou Lula sobre outra rede em formação, o Observatório da Sociobiodiversidade, que reunirá organizações de pesquisa, de assessoria e de movimentos sociais, para promover políticas que fortaleçam as cadeias de produtos e de serviços da biodiversidade, a chamada “economia da floresta”.

Houve várias falas importantes de representantes de outras organizações, personalidades e cientistas, como Carlos Nobre, que sugeriu a criação de uma instituição pública de pesquisa baseada na Amazônia e com atuação focada na bioeconomia florestal. A maior unidade e organicidade da sociedade civil será um trunfo a favor de um eventual novo governo com objetivos sustentáveis, apesar da polarização política vigente.

Márcio Santilli é filósofo, sócio-fundador do Instituto Socioambiental (ISA). Autor do livro Subvertendo a gramática e outras crônicas socioambientais. Deputado federal pelo PMDB (1983-1987) e presidente da Funai de 1995 a 1996.