No dia 27 de agosto de 1978, foi realizada na Praça da Sé em São Paulo, uma manifestação com mais de 20 mil pessoas que protestavam contra o alto custo de vida e a carestia. O ato foi organizado pelo Movimento do Custo de Vida (MCV), também conhecido como Movimento Contra a Carestia (MCC). A grande proporção do ato e a expressiva adesão popular era um indicativo da prolongada crise econômica que se estendia no contexto da ditadura militar, à época com o general Ernesto Geisel na presidência. A alta dos preços dos itens de primeira necessidade e dos alimentos, associado ao arrocho salarial que corroía os salários dos trabalhadores ao longo da ditadura militar instaurada em 1964, fruto das políticas econômicas dos governos que se sucediam, submetiam a população à escassez e pobreza.

É nesse quadro de desigualdade social e aumento inflacionário que abatia a qualidade de vida da população marcada pela carestia que surge o Movimento do Custo de Vida em 1973. Fundamentalmente composto por mulheres, foi a partir da iniciativa delas que o movimento tem sua origem. Muitas participavam do Clube das Mães e Comunidades Eclesiais de Base (CEB’s) na periferia de São Paulo. Reunidas, e assistindo ao aumento dos preços e presenciando a queda do poder aquisitivo, as mulheres realizaram uma pesquisa que mostravam o aumento dos preços às autoridades, que não lhes retornavam. (MONTEIRO, 2015; PAMPLONA, 2021). Ao longo da década de 1970 o movimento enviou diversos documentos às autoridades pedindo resoluções e ações políticas para conter o avanço da carestia. Diante da indiferença dos governos ditatoriais, e do grave quadro econômico é que eclode em 1978 o ato de grande adesão popular na Praça da Sé, no dia 27 de agosto.

O MCV levou ao ato a carta e abaixo-assinado com mais de 1,3 milhão de signatários para entregar as autoridades, que não compareceram no ato para diálogo, e enviaram um desproporcional aparato policial para cercar a população presente na manifestação.

A Folha de S.Paulo estampou em sua primeira capa, no dia 28 de agosto, um dia após o ato, a notícia “Luta contra a carestia marcada por incidentes”. O jornal informou que sete mil pessoas entraram na Catedral da Sé, entoando um hino do movimento “como pode um povo vivo viver nessa carestia”, clamando por mudanças. O texto discorre ainda que no final do protesto houve “choque” entre manifestantes e polícia, resultando em sessenta pessoas atendidas pelos médicos, um rapaz de 16 anos sofreu perda de visão ao ser atingido por uma bomba de gás lacrimogêneo e outras treze pessoas foram presas, tamanha violência policial. A notícia também aponta que a organização do ato começou pacificamente, contudo, estava sob “forte esquema policial, que cercou toda a praça da Sé e impediu a aglomeração”, acabando em “correrias, prisões e espancamentos”, e “mesmo depois que a praça foi evacuada a polícia ainda perseguiu os manifestantes pelas redondezas, soltando mais bombas, batendo e prendendo populares” (Folha de S.Paulo, 1978).

Apesar da recorrente e desproporcional violência policial, o ato contra a carestia foi uma das maiores organizações populares do período, precedendo as grandes manifestações e greves que viriam ao longo da década de 1970. Além disso, a manifestação de 27 de agosto significou um marco para a abertura política do país, e contribuiu de forma decisiva para o desgaste do regime militar” e aumento da participação política da população, que reivindicava novas políticas econômicas para o país (PAMPLONA, 2021). A concentração e força do povo colocaram em evidência mais uma vez a truculência da polícia e do regime militar, o descaso com a população, e a má condução das políticas econômicas do governo que submetiam o povo à má qualidade de vida, aos altos preços dos produtos de primeira necessidade e os baixos salários.

Em setembro, semanas após o grande ato em São Paulo, o Movimento Custo de Vida também foi a Brasília para entregar a carta em formato de abaixo-assinado com mais de 1,3 milhão de assinaturas, levada no dia 27, mas que, diante da ausência das autoridades, não foi entregue. O texto reivindicava o imediato congelamento dos produtos de necessidade básica para população, o aumento e abono salarial para os trabalhadores, contra o arrocho.

O Movimento do Custo de Vida, por meio de sua organização e atuação social contribuiu decisivamente por aumentar a participação política da sociedade civil, contra as arbitrariedades e medidas econômicas do governo militar, além de trazer para o espaço público as demandas e reivindicações políticas da população em um contexto de proibição de organização, censura, autoritarismo e aparato repressivo oriundo da ditadura militar brasileira.

O Centro Sérgio Buarque de Holanda – Documentação e Memória Política da Fundação Perseu Abramo rememora essa efeméride trazendo ao público algumas fotografias integrantes de nosso acervo, que mostram a magnitude do ato e da expressiva mobilização popular. Ocorrida 44 anos atrás, esse evento se sucede em um momento político em que o alto custo de vida e a carestia novamente assolam a qualidade de vida e o cotidiano dos brasileiros. Por meio de sua força histórica, nos mostra o poder da aglutinação popular diante dos governos autoritários e que optam por medidas e políticas econômicas que sacrificam a população.

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FONTES E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Ato contra carestia reuniu 20 mil pessoas. Folha de S. Paulo, São Paulo, ano 57, nº18.044, 28 de agosto 1978, p. 9.

MONTEIRO, Thiago William Nunes Gusmão. “Como pode um povo viver nesta carestia”: o movimento do custo de vida em São Paulo (1973-1982). Dissertação (Mestrado em História) – Universidade de São Paulo, São Paulo/SP, 2015. Disponível em: https://teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde-11032016-132815/pt-br.php.

PAMPLONA, Fabio. Como a mobilização das mulheres contra a carestia desmoralizou os militares. Jacobin, 12/09/2021. Disponível em: https://jacobin.com.br/2021/09/como-a-mobilizacao-das-mulheres-contra-a-carestia-desmoralizou-os-militares/.

SADER, Eder. Quando novos personagens entraram em cena. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1988.