O debate promovido pela Expressão Popular, em parceria com o CASB e o Instituto Tricontinental, abordou o avanço da extrema direita na América Latina

Nesta quinta-feira (26), na livraria Expressão Popular que fica no Armazém do Campo no bairro dos Campos Elíseos, em São Paulo, o debate “Milei e Bolsonaro: semelhanças e diferenças” reuniu militantes políticos e foi marcado como uma atividade de lançamento da edição brasileira do livro “América Latina na encruzilhada global” (Expressão Popular), do economista argentino Claudio Katz, professor na Universidad de Buenos Aires e membro do coletivo Economistas de Izquierda. 

Para Katz, a ideia de analisar de maneira comparativa a atuação do presidente da Argentina, Javier Milei, eleito pela coalizão La Libertad Avanza, e do ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro (PL) é interessante e produtiva. “Eles são muito parecidos, em muitas frentes, com muitas características em comum, além de disseminarem o mesmo discurso neoliberal”, comenta o professor argentino.

“A estratégia da ultradireita é colocar o povo contra o povo”, define Claudio Katz, que destaca que o principal objetivo atualmente desse setor é o asfixiamento da democracia, assim como ocorrem também tentativas em países da Europa e nos Estados Unidos. 

Dados divulgados ontem pela EPH (Pesquisa Permanente por Domicílios) do país vizinho apontam que 52% da população vive na pobreza, cerca de 25 milhões de pessoas. O crescimento do índice foi considerado rápido, já que o número no semestre anterior chegava a 19 milhões. O mesmo programa de dados nacionais levantou que 18% da população argentina vive atualmente na faixa da miséria.

Além da editora Expressão Popular, o encontro teve organização conjunta do Instituto Tricontinental com o CASB, que é o Centro de Análise da Sociedade Brasileira, uma iniciativa das fundações Perseu Abramo (PT), Lauro Campos e Marielle Franco (PSOL), Maurício Grabois (PCdoB) e Rosa Luxemburgo (vinculada ao partido alemão Die Linke – A Esquerda). 

Segundo as entidades, o objetivo do evento tem relação com a necessidade de dialogar sobre os riscos da ascensão da extrema-direita no continente latinoamericano e as alternativas e as experiências de resistência. 

Nesse sentido, participaram Florência Abregú, integrante da Alba (Alternativa Bolivariana para as Américas) e da Federación Rural e a doutora em ciência política, pela Universidade de São Paulo, Thais Pavez

Com amplo domínio das estratégias nas redes sociais, tanto Milei quanto Bolsonaro apostaram em um discurso “antissistema”, com uma bandeira contra a corrupção, na avaliação de Claudio Katz, mas há diferenças entre eles. Segundo o economista argentino, Milei não tem uma base social forte como a de Bolsonaro no Brasil, com a participação da população evangélica e das forças militares. Apesar disso, ambos surfaram a mesma onda de frustração dos eleitores para alcançarem a projeção e o espaço que mantêm hoje. 

Apesar de fora do tema principal do debate, o nome de um candidato à prefeitura de São Paulo chegou a ser citado por Katz, mas apareceu, principalmente, na fala da pesquisadora Thais Pavez, que o classificou como uma personalidade nativa digital responsável por disseminar os valores do bolsonarismo para além de Bolsonaro – Pablo Marçal. O impacto causado por ele, e por outros influenciadores que carregam dogmas religiosos com um viés de prosperidade, é alvo de uma pesquisa, que será lançada em breve, segundo Pavez. 

A cientista política falou sobre o fenômeno brasileiro que desloca a centralidade do partido enquanto espaço propulsor do debate político e relata que essa é uma tendência também em outros países. 

Florência Abregú, representante da Alba, destacou a relação do avanço do neofacismo com a crise do capitalismo, que gerou, dentre outros elementos, o fortalecimento de conceitos como o empreendedorismo em diversas camadas sociais, em especial nos setores mais populares.

Mesmo Milei, assim como Bolsonaro, dialogando com a ideia do crescimento a partir do valor empreendedor, a política econômica do presidente argentino não traduz isso na prática, porque, logo ao assumir o poder, ele abriu o mercado importador de maneira a prejudicar produtores locais, na avaliação de Abregú. “Temos quatro províncias produtoras de laranjas, mas a partir do mercado de Buenos Aires, hoje consumimos laranjas egípcias”, lamenta.