O PT começa a resgatar as Reformas de Base
Por Debora Pereira
O Diretório Nacional do PT, reunido em Brasília dia 20 de março, em sua resolução política deixou claro que pretende avançar nas mudanças do Brasil, retomando a agenda interrompida pelo Golpe Militar de 1964, que faria o país se tornar mais justo e desenvolvido: as Reformas de Base propostas pelo então presidente deposto João Goulart. Diz a resolução:
“Passado meio século do golpe que interrompeu a agenda progressista de reformas de base anunciadas naquele tempo, o Brasil experimenta os avanços do ciclo virtuososo dos governos liderados por Lula e Dilma. Nestes 12 anos, avançamos em reformas significativas para o país, mas nos deparamos com o desejo cada vez mais latente de realizarmos um conjunto de reformas estruturantes, já apontadas no 5° Congresso do PT. Esse salto no programa a ser apresentado pelo PT será conformado a partir da mobilização e no diálogo com os movimentos sociais e através do debate político com os partidos que compõem a nossa base aliada”.
Esta sem dúvida é uma proposta que o partido e a sua nova geração devem discutir com serenidade e clareza.
Em um cenário que tinha o Brasil organicamente comprometido por dois mandatos tucanos com a implementação da agenda do Consenso de Washington, o PT teve que elaborar uma estratégia de centro-esquerda, com alianças amplas, para vencer em 2002. Apresentou-se à sociedade como sendo capaz de governar com propostas concretas para os entraves do país, coerente com seu discurso democrático e popular, e lançou a Carta aos Brasileiros. A estratégia visava aglutinar em torno do partido o setor empresarial, produtivo, perdedor com a Era FHC e, em nível local, somar a força de outros partidos para tentar enfraquecer ou isolar o principal partido do neoliberalismo brasileiro, o PSDB, e os seus já desgastados resultados sociais.
Na Carta, o recado era claro: vamos implementar a agenda que falta do emprego, da proteção social, da distribuição de renda, do consumo de massas, da ampliação do exercício de direitos sem mexer nos contratos estabelecidos e nos pilares que levaram formalmente à estabilização, o chamado tripé econômico, formado pelo superávit, câmbio flutuante e metas de inflação. O PT em nenhum momento escondeu seu programa da sociedade. Pelo contrário, o debate da estratégia foi feito internamente, mas com total cobertura da imprensa, e o Modo Petista de Governar foi amplamente divulgado na propaganda partidária.
Passados 12 anos de nosso governo e dentro destes marcos, o país conseguiu combinar crescimento com distribuição de renda, obtendo média muito maior do que nos anos de neoliberalismo e até da média mundial, no primeiro caso e, no segundo, passando à referência nacional no combate à fome e na distribuição de renda, por exemplo. Políticas sociais não apenas foram implementadas, como institucionalizadas, o estado voltou a planejar, a massa salarial subiu, o crédito se ampliou, o mercado de massas interno se consolidou e garantiu a travessia por duas crises mundiais, o papel das empresas estatais na indução do desenvolvimento passou a ser determinante, acumulamos recordes em reservas internacionais, as rotas comerciais se aprofundaram. Simbolicamente, a descoberta do pré-sal, a conquista da Copa e das Olimpíadas e houve a conversão de devedor a credor do FMI. Este processo tornou o Brasil a 7ª economia mundial, líder da integração sul e latino-americana, um dos BRICS.
Assim, como bem disse Chico Buarque, o Brasil passou a falar grosso com os países grandes e até com a economia global, tanto em matéria econômica, quanto em política.
Em 1964, no auge da luta e articulação social pelas reformas de base e quando todos sonhavam que o país seria tão aceito mundialmente quanto a Bossa Nova, veio com golpe militar amparado em quatro pilares: uma retórica da corrupção, da crise, da “ameaça comunista”, em aliança do grande partido da direita nacional (UDN) e os interesses estrangeiros.
Hoje, quando reina o otimismo entre a juventude e a popularidade do governo bate recordes (assim como batia o de Jango) o que está na agenda da direita para esta campanha eleitoral? Os ataques à Petrobrás e seus desdobramentos, a falácia de que o governo do PT sustenta ditaduras na América Latina, a retórica exaustivamente ensaiada da partidarização/aparelhamento dos órgãos federais pelos petistas, o interminável noticiário em torno da corrupção; o incentivo por lideranças políticas, religiosas e do show business ao preconceito, justiçamento e relativização do que foi a Ditadura Militar e a busca por criar um clima de insatisfação a partir da criação midiática de um clima de insegurança.
Discursos de um Judiciário que interfere nos outros poderes e brada contra o que chamam de bolivarianização do país, atribuindo tal horizonte a uma ditadura disfarçada (que se linca com a tese do aparelhamento do Estado). Sem contar, claro, a cantilena da política de alianças, daqueles que apelam para o discurso da “coerência” como sinônimo de um partido pequeno, eternamente de oposição, mas com ideais puros capazes de empolgar os filhos das elites que aplaudem os “princípios” de uma agremiação de trabalhadores.
Movimentos mais amplos são ensaiados. As agências de risco internacional rebaixam a nota do Brasil, num movimento claramente político para desestabilizar a economia e ajudar a oposição, como as notícias plantadas contra a economia brasileiro no The Economist e Financial Times. No Congresso, partidos aliados travam agendas centrais, como o Marco Civil da Internet, por exemplo, pressionados por fortes lobbyes empresariais.
Fato é que a Direita teme o que temeu em 1964: a efetiva independência nacional.
Se um golpe está no horizonte é difícil dizer, assim como também negar. É importante lembrar que as denuncias de “Mensalão”, em 2005, tentaram, antes de tudo, derrubar o governo via Impeatchment ou “convencer” Lula a não ir à reeleição. Um golpe branco. Não exatamente militar, assim como não foi militar em Honduras, Venezuela, Paraguai.
Por isso, o melhor é ir adiante.
Embora nossos governos tenham implementado uma série de políticas no sentido das reformas estruturantes que defendemos desde a fundação do partido, é preciso reorganizar o pacto com a sociedade e com os aliados em torno de um novo ciclo de modernização do Brasil, expressando as novas lutas democráticas que se anunciam, por exemplo, pelas Jornadas de Junho, além de outros movimentos sociais, sejam tradicionais ou não.
E se há quem acredite que a agenda está ultrapassada, foi superada e que estamos equivocados, basta regatar o conjunto de reformas, enunciadas no Comício da Central de março de 1964: reforma Bancária, Reforma Política, Tributária, Administrativa, Universitária, Urbana e Agrária. Qualquer semelhança com a agenda defendida hoje para o Brasil certamente não é mera coincidência. E, deste modo, é importante resgatar a agenda interrompida pelo golpe, adaptando-a ao Brasil atual e dialogando seu conteúdo com a sociedade, com os partidos, com os entes federados, com o Congresso Nacional, com os movimentos sociais, com os empresários, com nossos parceiros internacionais
A juventude que não conheceu a Era FHC e vai votar pela primeira vez, mas também todos aqueles que confiaram em nosso projeto nos confiaram o Brasil, precisam de uma mensagem clara para o futuro e uma plataforma concreta com início, meio e fim que permita ao Brasil compreender e apoiar o aprofundamento do desenvolvimento nacional soberano. Acredito que essa mensagem se expressa em um conjunto de reformas que avancem para a mudança da estrutura do Estado. Que venha o próximo governo Dilma.
Debora Pereira é membro do Diretório Nacional do PT e assessora da bancada de vereadores do PT na Câmara Municipal de São Paulo.