Trabalhadores que sofrem com o desemprego também perdem com a inflação e o baixo poder de compra dos salários

Ano 1 – nº 07 – Setembro 2016

O projeto do golpe para o trabalho

Os últimos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC/IBGE) reiteram o quadro negativo para o emprego no Brasil: o trimestre de abril a junho de 2016 mostra que, confrontado com o período de janeiro a março de 2016 (trimestre anterior), a taxa de desocupação cresceu (0,4 ponto percentual) de 10,9% para 11,3%. Na comparação com abril a junho do ano anterior , a mesma taxa subiu 3 p.p..

A PNADC mostrou que a taxa de desocupação ficou em 9,9% para os homens e 13,2% para as mulheres. Entre jovens de 18 a 24 anos de idade, chegou a 24,5% (versus 18,6% no ano anterior) e apresentou patamar elevado em relação à taxa média total (11,3%). Já por nível de instrução, a maior taxa de desocupação foi observada para pessoas com ensino médio incompleto (20,6%), e a menor para aqueles com nível superior completo (6%).

No trimestre de abril a junho de 2016, havia cerca de 11,6 milhões de pessoas desocupadas (que buscaram emprego, mas não encontraram), o que representa um aumento de 4,5% frente ao trimestre de janeiro a março de 2016 (eram 11,1 milhões de pessoas). Em comparação com 2015, quando este número era de 8,3 milhões, essa estimativa subiu 38,7%. Já o contingente de pessoas ocupadas foi estimado em 90,8 milhões no trimestre de abril a junho de 2016, contra 92 milhões no mesmo trimestre do ano anterior (queda de 1,5%).

Um dos setores em que houve crescimento é o dos trabalhadores domésticos: 6,2 milhões de pessoas, número estável em relação ao trimestre anterior e com elevação de 3,7% frente ao ano anterior, representando expansão de 224 mil pessoas nesta forma de inserção. Além disso, na comparação com o trimestre de abril a junho de 2015, houve redução de 1,4 milhão de empregos na Indústria (equivalente à queda de 11%) e redução ainda nas áreas de Informação, Comunicação e Atividades Financeiras, Imobiliárias, Profissionais e Administrativas, 10% (- 1,1 milhão).

O rendimento médio real habitualmente recebido em todos os trabalhos pelas pessoas ocupadas foi estimado em R$ 1.972, registrando queda de 1,5% frente ao trimestre de janeiro a março de 2016 (R$ 2.002) e de 4,2% em relação ao mesmo trimestre do ano anterior (R$ 2.058).

Os trabalhadores que sofrem com o desemprego também perdem com a inflação e o baixo poder de compra dos salários: as famílias de menor renda têm sido mais atingidas pela alta inflacionária, segundo o Índice de Custo de Vida (ICV) para o município de São Paulo.

Flexibilização: eufemismo para perda de direitos

Consideramos que existe uma assimetria entre trabalhadores e empregadores, de forma que, de um lado, os empregadores demandam trabalho e formulam as condições em que um posto de trabalho é ofertado e, de outro, os trabalhadores precisam vender sua força de trabalho para sobreviver. Nesse cenário, o direito do trabalho existe para atenuar essa assimetria no mercado de trabalho. Assim, medidas que flexibilizem leis trabalhistas ou que retirem direitos são prejudiciais ao trabalhador em uma perspectiva individual (pela perda de direitos) e coletiva (pela desconstrução de uma repartição mais justa dos recursos da sociedade).

Mas o elevado desemprego e a recessão econômica aumentam risco de regressão na regulação trabalhista ao propiciar crescimento da ofensiva patronal e governamental para flexibilizar direitos, como tem ocorrido. Nesse contexto, é bastante ilustrativo que a “redistribuição de renda” não mais esteja entre um dos objetivos do governo Temer segundo estabelece a Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2017, enquanto o Brasil é um dos países mais desiguais do mundo. Vai tomando corpo o projeto do golpe: fortalecimento de uma agenda conservadora e concentradora do ponto de vista social, presente na “Ponte para o Futuro” e “Travessia Social”, projeto esse que não foi o escolhido nas urnas em 2014.

Tais documentos atribuem a responsabilidade pela crise fiscal aos governos petistas – dos quais o PMDB participou de setores estratégicos até ano passado – e atacam a criação de novas políticas sociais e a indexação de benefícios ao salário mínimo, com o argumento de que o ganho real além da inflação prejudicaria o Orçamento. Essa posição está inscrita na PEC 241/16, que, com apoio do Planalto, congelará os investimentos públicos por vinte anos, com reajuste apenas inflacionário, contrariando a política dos governos anteriores de aumento real dos investimentos em saúde, educação e políticas sociais. O governo também propôs um reajuste de apenas 7,47% no salário mínimo de 2017, com ganho real nulo se as expectativas de inflação para 2016 se concretizarem.

Assim, consolidado o impeachment, os trabalhadores se deparam com a aceleração na tramitação de projetos de lei ou anúncios do governo para a flexibilização de direitos impulsionada pelo capital, com forte apoio da mídia tradicional. Alguns exemplos são:

– Ampliação da jornada: foi anunciada pelo ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, proposta de ampliação da jornada semanal para 48 horas e da jornada máxima diária para 12h. Ele foi chamado a se explicar à sociedade, mas ainda não está clara qual é a proposta do governo golpista: o ministro afirmou que a ampliação da jornada diária seria necessária para a regulamentação, por exemplo, dos regimes 12×36 de técnicos de enfermagem, mas tal regime de trabalho já é regulamentado por súmula do Tribunal Superior do Trabalho. Vale lembrar que no início do governo Lula, em 2003, discutia-se a redução da jornada de trabalho para quarenta horas semanais e que, com a elevação da produtividade ao longo dos anos, é socialmente justo que a jornada seja reduzida, a fim de repartir entre a sociedade esses ganhos.

– Reforma da Previdência: Temer deve encaminhar ao Congresso uma proposta de reforma que penaliza os trabalhadores, a fim de mostrar que o governo está realmente comprometido com o ajuste fiscal, sob o argumento de déficit da Previdência. No entanto, especialistas têm alertado que não existe déficit da Previdência, pois ao se considerarem todas as receitas e despesas do Sistema de Seguridade Social (formado pela Saúde, Assistência e Previdência Social), no ano de 2014 o superávit atingiu mais de R$ 53 bilhões. Seria necessário, sim, reformar a Previdência, mas de forma a incluir os 37 milhões de trabalhadores que ainda não têm acesso ao sistema. Mas, ao escolher realizar uma reforma que penaliza os trabalhadores, o governo mostra seu lado na luta distributiva.

– Terceirização irrestrita: Michel Temer anunciou que vai apoiar o PL 4330/2004, aprovado pela Câmara no início de 2015, que visa liberar a terceirização também em “atividades-fim” e não somente em “atividades-meio”. Se para as empresas o processo de terceirização significa ganhos e a possibilidade de concentrar seus investimentos nas atividades principais, os trabalhadores terceirizados estão sujeitos a redução de salários e precarização das condições de trabalho (inclusive com riscos para a saúde). Ainda, em um nível macroeconômico, ao reduzir os salários, a terceirização tem um impacto imediato sobre o consumo.
Portanto, ainda que o menor custo do trabalho amplie investimentos, nada garante que compensará a menor demanda da classe trabalhadora (nem que tal medida seja socialmente justa).

– Negociado sobre legislado (até sobre a CLT): o ministro do Trabalho de Temer afirmou em entrevistas que o governo é favorável à flexibilização da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e que o governo vai “prestigiar” as convenções coletivas para decisões sobre jornada e salário: “A CLT virou uma ‘colcha de retalhos’ que permite interpretações subjetivas”, segundo o ministro. Ainda, propõe-se negociação direta do trabalhador com o empregador, de maneira até individualizada (PL 4193/12).

– PPE permanente: o Ministério do Trabalho também quer tornar o Programa de Proteção ao Emprego (PPE, Lei 13189/2015) uma política permanente. Criado em julho de 2015 e em vigor até o fim de 2017, o plano visa preservar postos de trabalho em períodos de crise com a redução de salário e jornada dos trabalhadores de até 30%. Em caso de redução de jornada de 30%, o corte no salário será de 15%, já que o governo complementa os outros 15% com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). A medida visa diminuir os gastos com seguro desemprego, pois os gastos com o PPE seriam menores que os gastos com pagamento de seguro desemprego, caso as empresas ao invés de aderirem ao programa realizassem dispensas sem justa causa. O comprometimento do FAT com as adesões ao programa já é de R$ 160 milhões e, na prática, funciona como uma espécie de subsídio às empresas inscritas.

– Simples trabalhista (PL 450/2015): o Programa de Inclusão Social do Trabalhador Informal para as microempresas e empresas de pequeno porte (Simples Trabalhista) prevê criar uma nova categorização para os trabalhadores brasileiros, reduzindo os direitos a serem pagos a trabalhadores contratados por micro e pequenas empresas como forma de estimular a formalização. Na prática, porém, corre-se o risco de precarizar ainda mais o trabalho no Brasil, ao tornar legal um regime que permite menos direitos.
– Mudança na lei sobre trabalho escravo (PLS nº 432/2013): tem sido discutida a alteração do conceito de trabalho escravo na tramitação de projetos de lei na Câmara Federal e no Senado, que reduz o escopo do conceito e facilita a vida de empregadores flagrados com essa forma de exploração. A proposta de Romero Jucá (PMDB) pretende, na verdade, acabar com o trabalho escravo mudando a sua definição e não combatendo o problema em si. Dada a composição do Congresso Nacional, o peso da bancada ruralista e a abertura do governo Temer a esses interesses, é possível compreender o espaço que tal questão tem ganhado.

– Redução da idade mínima para trabalhar de 16 para 14 anos (PEC 18/2011): tramita ainda a redução da idade mínima para trabalhar, sob o regime de tempo parcial, de 16 para 14 anos. É importante lembrar que a Constituição brasileira determina a “proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos”. A única exceção é dada aos aprendizes, que podem trabalhar a partir dos 14 anos. O argumento para a redução é o de garantir direitos daqueles jovens que precisam trabalhar e ganha força com a discussão da redução da maioridade penal. No entanto, tal proposta é uma afronta à Constituição e ao Estatuto da Criança e do Adolescente, ainda mais em um país com tamanha desigualdade, jovens em situação de vulnerabilidade socioeconômica e altas taxas de desemprego.

Diversas propostas discutidas se justificam pelo argumento de proteger o trabalhador em um contexto de informalidade ou vulnerabilidade, mas, ao invés de atacar o problema e permitir condições dignas, as medidas caminham no sentido de tornar legais relações de trabalho com menos direitos. Assim, modifica-se o rótulo, de forma que tal questão deixe de ser vista como um problema, mas não se altera para melhor a situação concreta do trabalhador. Ao contrário, na maioria dos casos, a perspectiva é de piora. A tendência para a flexibilização abre espaço para a perda de direitos pura e simples ou para a possibilidade de negociação com o empregador, que também dá margem para pressão para aceitar piores condições. Assim, abrindo espaço para tais propostas, o governo interino joga a conta da crise para os trabalhadores.

O panorama para o trabalho, mesmo que o país volte a crescer (e o emprego também volte a crescer), é extremamente pior que o cenário do país entre 2003 e 2014, pois o crescimento – se ocorrer num futuro próximo – poderá se dar sobre bases de desigualdade e perda de direitos. A união das centrais sindicais, movimentos sociais e dos trabalhadores em geral é fundamental para pressionar o governo golpista.

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