Segundo Marlise Matos, professora associada do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais, coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher (Nepem/UFMG) e do Centro do Interesse Feminista e de Gênero (CIFG/UFMG), “é impossível não reconhecer a atuação importante dos governos nacionais do Partido dos Trabalhadores (PT) na abertura de espaço institucional no âmbito do Estado brasileiro para a construção de iniciativas de políticas públicas relacionadas a gênero e sexualidade. Entretanto, boa parte desse legado (senão a sua inteireza) está abertamente ameaçada sob o governo interino (e ilegítimo) e é fundamental termos visível quais foram as mudanças e transformações conquistadas (não sem tensões e muitas limitações) e os riscos reais vividos.

Dilma Rousseff sofreu impeachment em 31 de agosto de 2016, numa decisão do Senado que interrompeu um ciclo de 13 anos e oito meses do PT à frente da Presidência da República, o maior período em que uma mesma legenda esteve à frente da administração federal depois do fim da ditadura (1964-1985).

O machismo ficou pior (e explícito) após o golpe misógino que tirou a presidenta eleita Dilma Rousseff da condução do Brasil. A violência contra as mulheres não deu trégua e no começo de 2017 lamentamos a liberdade concedida pelo STF ao assassino goleiro Bruno assim como ainda nos chocamos com a notícia de que a cada três minutos uma mulher foi agredida no carnaval do Rio de Janeiro. Mas o machismo anterior foi encarado de frente pelos governo do ex-presidente Lula e também de Dilma.

“Às mulheres brasileiras, que me cobriram de flores e de carinho, peço que acreditem que vocês podem. As futuras gerações de brasileiras saberão que, na primeira vez que uma mulher assumiu a Presidência do Brasil, o machismo e a misoginia mostraram suas feias faces. Abrimos um caminho de mão única em direção à igualdade de gênero. Nada nos fará recuar”, afirmou Dilma nos dias seguintes a consumação do golpe no Brasil.

Histórico

Recentemente, Eleonora Menicucci, então ministra de Políticas para a Mulheres do governo Dilma, falou sobre os avanços dos quase treze anos que o PT esteve à frente do governo federal. Ela relembrou que, mesmo sendo um desafio enorme, os avanços são grandes. “A própria temática de gênero é um tema dificílimo de fazer a gestão nacional, porque primeiro você tem que quebrar com a cultura machista e a cultura patriarcal para fazer com que os meus colegas, homens e mulheres, incorporem isso às perspectivas de gênero”, disse. “É necessário quebrar com a muralha da desigualdade de classe, de gênero e de raça em nosso país, e foi só em nosso governo que nós e que a sociedade brasileira como um todo ouviu dizer sobre essas coisas”, pontuou.

Os avanços na luta contra a intolerância foram citadas por Eleonora, que frisou que os governos Lula e Dilma foram os que possibilitaram a investigação e apuração de atos contra as diferenças. “Foi no nosso governo que tirou de debaixo do tapete a questão da homofobia, a questão do ódio, a luta do ódio contra as diferenças”, disse.

“O nosso governo nunca abriu mão de avançar nos direitos civis, nos direitos humanos e nos direitos sociais e é isso que incomoda”, destacou, salientando que a luta por igualdade gera desconforto em algumas pessoas.

As conquistas da lei do Feminicídio também foram lembradas. Eleonora frisou que a sanção da Lei do Feminícidio é implementação da Lei Maria da Penha. “Agora o Brasil está com a Lei implementada integralmente”, comemorou.

Não é pouco relembrar que foi graças à ação do governo federal, em sintonia com as mobilizações dos movimentos de mulheres, que foi construída a Lei Maria da Penha. A construção do projeto de lei que resultaria na Lei Maria da Penha começou em 2002, no governo Lula, com organizações de mulheres trabalhando na primeira versão do texto. O documento passou pela Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República (SPM), tendo o apoio de vários ministérios, até chegar ao Congresso Nacional, sendo aprovado pelas duas casas legislativas, em 2006, e sancionada por Lula no mesmo ano.

E depois de onze anos, os índices de violência contra as mulheres, apesar dos esforços resultados da Lei Maria da Penha, seguem crescendo, inclusive e principalmente respaldado pelo teor machista que coordenou todo o processo de impeachment da presidenta eleita, Dilma Rousseff.

Mas além do combate à violência – que está longe de ser solucionado -, foi preciso promover a independência econômica da mulher. Hoje, a participação delas no mercado de trabalho consolidou-se e avançou. Dos 4,5 milhões de empregos formais criados nos últimos três anos do governo Dilma, 2,4 milhões, ou seja, mais da metade, foram ocupados pelo sexo feminino.

Importantes programas foram subsidiados em diferentes setores pelo governo federal a partir da ação da Secretaria de Políticas para as Mulheres. Programas como o “Pró-equidade de Gênero”, em parcerias com o Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (UNIFEM) e a Organização Internacional do Trabalho (OIT), que visa à promoção do compromisso das empresas com a equidade de gênero no mundo do trabalho. A Campanha Nacional pela Valorização e Formalização do Trabalho Doméstico. O programa “Gênero e Diversidade na Escola” em parceria com o Ministério da Educação que visava à formação de educadores, fornecendo elementos para romper com práticas de preconceito na escola. O programa “Mulher e Ciência”, desenvolvido com o Ministério da Ciência e Tecnologia, com o objetivo de oferecer incentivos voltados para a produção de pesquisas e estudos sobre desigualdade entre homens e mulheres. Com o Ministério do Desenvolvimento Agrário, o lançamento do Pronaf Mulher beneficiou pelo menos 322 mil trabalhadoras rurais entre 2004 e 2006. Também no âmbito do MDA foi criado em 2003 o Programa de Promoção da Igualdade de Gênero, Raça e Etnia com a tarefa de transversalizar e promover o acesso das mulheres rurais, populações quilombolas e indígenas nas políticas de acesso à terra. Além destas ações, espera-se a aprovação do projeto de lei de Combate contra a Violência à Mulher enviado ao Congresso pela SPM em 2004. Este projeto de lei proíbe a aplicação de penas pecuniárias e institui juizados especiais com competência civil e ainda conceitua e define formas de violência contra a mulher.

Legado e futuro

Em março de 2016, o ex-presidente Lula recebeu diversas mulheres no Instituto Lula para discutir os avanços e retrocessos para a vida das brasileiras. As participantes ressaltaram a importância de contar com o apoio de Lula em suas lutas e sublinharam o fato que, desde a ditadura, o país não vivia uma escalada conservadora como a atual, que ameaça impor um recuo nos direitos alcançados pelas mulheres nos governos de Lula e da presidenta Dilma Rousseff.

“Para o Lula, a gente tem condições de reverter esse quadro, ele está animado. Mas desde que a gente consiga manter a união. Dia 8 de março, estaremos na Paulista defendendo justamente a democracia, os direitos das mulheres e o combate ao retrocesso”.

* Fernanda Estima é jornalista, militante feminista e integra o Núcleo de Comunicação da Fundação Perseu Abramo.

Foto: Rovena Rosa/ Agência Brasil (01/06/2016)