Ano 2 – nº 12 – Março 2017

Análise do mercado de trabalho

A austeridade fiscal, aplicada no Brasil desde 2015, teve um efeito devastador no mercado de trabalho. Desde então, ocorreu uma escalada do desemprego, sendo mais alta entre trabalhadores com salários mais baixos.

PNADC

A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNADC) estimou a taxa de desocupação no país em 12,6% para o trimestre móvel de novembro de 2016 a janeiro de 2017, com quadro de elevação em relação aos trimestres anteriores, como mostra a tabela abaixo. O quadro para o rendimento médio foi de estabilidade em relação aos outros trimestres:

A população desocupada (12,9 milhões) cresceu 7,3% (mais 879 mil) em relação ao trimestre de agosto a outubro de 2016 e subiu 34,3% (mais 3,3 milhões) no confronto com igual trimestre do ano anterior.

A massa de rendimento real habitualmente recebido em todos os trabalhos pelas pessoas ocupadas foi estimada, para o trimestre móvel de novembro de 2016 a janeiro de 2017, em R$ 180,2 bilhões, estável tanto frente ao trimestre de agosto a outubro de 2016 quanto ao mesmo trimestre do ano anterior.

A PNADC aponta que 22% da força de trabalho brasileira estava subutilizada no quarto trimestre de 2016.

São considerados subutilizados aqueles que estão desempregados, trabalham menos horas do que poderiam/gostariam ou deixaram de procurar emprego. Esse percentual foi mais alto no Nordeste, em especial na Bahia. No quarto trimestre de 2015, esse percentual foi de 17%.

Dieese: Boletim emprego em pauta

O Dieese aponta que em 2016 o desemprego aumentou e cresceu a quantidade de postos de trabalho que oferecem baixa proteção. Para o último caso, “se por um lado esses empregos contribuíram para a redução do número de desocupados, por outro ampliaram a precarização do emprego com contratações desprotegidas, revertendo tendência de formalização do mercado de trabalho, marca positiva do mercado na última década”. O boletim também avalia que a Indústria de Transformação foi o setor que mais eliminou postos de trabalho em 2016.

Também o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) registrou retração nos vínculos com carteira assinada em 2016: o saldo do ano foi de destruição de 1,3 milhão de postos formais de trabalho.
Além disso, em dezembro de 2016, o salário médio dos trabalhadores admitidos foi 17% menor do que o dos desligados, ou seja, demite-se para contratar com um salário mais baixo.

As negociações coletivas também tiveram resultados desfavoráveis: apenas 23,4% tiveram, em 2016, reajustes acima da inflação, alterando tendência dos últimos anos. Assim, 2017 deve ser um ano difícil para os trabalhadores.

Reforma trabalhista – PL 6787/2016

A proposta da reforma trabalhista (PL 6787/2016) retoma os mesmos argumentos do debate dos anos 1990.

Baseia-se na premissa de que as leis trabalhistas são muito rígidas no Brasil (o que contrasta, por exemplo, com a alta rotatividade da mão de obra brasileira), de que na comparação internacional o salário brasileiro é alto (mas, na indústria por exemplo, um trabalhador brasileiro já tem salário mais baixo que um trabalhador chinês) e de que a retirada de direitos (ou flexibilização) geraria empregos. No entanto, ela contribui para criar uma sociedade mais desigual e pode permitir a redução do consumo na sociedade e retardar a recuperação econômica.

Propostas

Uma das principais propostas da reforma é “a prevalência do negociado sobre o legislado”: se o PL for aprovado, trabalhadores poderão negociar os termos de sua contratação em patamares inferiores aos estabelecidos pela CLT. A possibilidade de abrir mão de direitos já adquiridos para negociação é um passo para a perda destes direitos, já que o empregador tem mais poder de impor as condições em que oferta a vaga, ainda mais em período de crise.

Uma das propostas do governo é de estabelecer a figura do “delegado sindical” que poderá negociar com os empregadores em nome dos trabalhadores, excluindo o sindicato. O PL ainda permite redução do intervalo mínimo para descanso de trinta minutos durante a jornada (atualmente o mínimo é de uma hora diária) e extensão do número de horas extras permitida em um dia de trabalho. Pelas regras atuais, admite-se que um trabalhador possa realizar no máximo duas horas extras, mas, se o PL for aprovado, será aceita a realização de até quatro horas extras. Isso resultaria em jornadas de trabalho de doze horas por dia sem que necessariamente ocorra o pagamento extra (que atualmente é, no mínimo, 50% a mais que a hora normal).

Além disso, contratos temporários poderão ocorrer por 120 dias prorrogáveis por mais 120, ou seja, podem durar até oito meses. Ao finalizar esse período, seria possível demitir sem verbas rescisórias.

Retirar direitos em tempos de crise

A retirada dos direitos trabalhistas diminui a renda do trabalhador direta ou indiretamente e transfere renda do trabalhador para o empregador. Tem efeitos negativos na atividade econômica, pois proporcionalmente o trabalhador gasta mais da sua renda que o empregador, que poupa proporcionalmente mais.

O estímulo à atividade econômica é fator crucial para a geração de empregos: ela não depende da redução de direitos, mas do crescimento econômico, consumo e demanda. Ainda, o Fundo Monetário Internacional (FMI), conhecido pelo apoio a medidas de flexibilização do mercado de trabalho, aponta em recente relatório que leis trabalhistas não afetam a produtividade. No caso brasileiro, até 2014, foi alcançada uma das menores taxas de desemprego que se tem registro na série histórica, sem redução de direitos.

Apostar na redução do consumo (com a ampliação de contratos precários de trabalho e a queda no rendimento do trabalho) em momento de crise econômica pode ser contraproducente: só há investimento se existe a expectativa de que haja consumo e ampliação da atividade econômica.

Reforma da Previdência – PEC 287/2016

A proposta de Reforma da Previdência (PEC 287/2016) não tem sido discutida com transparência por parte do governo quanto às projeções atuariais para a Previdência, o impacto da mudança nas regras na desigualdade social etc. Entre outras alterações, a Reforma propõe:

1) extinguir a aposentadoria por tempo de contribuição;
2) estabelecer idade mínima única para aposentadoria (aos 65 anos) para quase todos os trabalhadores;
3) mudar o cálculo e reduzir o valor dos benefícios previdenciários em geral;
4) proibir acúmulo de benefícios, como pensões e aposentadorias;
5) desvincular benefícios assistenciais e pensões do salário mínimo.

Previdência e gênero

Um ponto polêmico da proposta de Reforma, a ser analisado à luz do dia internacional de luta da mulher, é a equiparação proposta na idade para aposentadoria de homens e mulheres. A proposta de equiparação do governo desconsidera:

Jornada dupla e diferenças no mercado de trabalho: a Reforma desconsidera as condições desfavoráveis enfrentadas pelas mulheres no trabalho (menor taxa de participação, maior desemprego e menor rendimento), além da dupla (ou tripla) jornada, tendo em vista a quantidade de horas por semana dedicadas aos afazeres domésticos e ao cuidado com os filhos (em média, uma mulher ocupada acima de dezesseis anos trabalha quase 73 dias a mais que um homem em um ano). Apesar de os homens trabalharem mais horas fora de casa, no trabalho remunerado, a somatória do tempo de trabalho total (remunerado e doméstico) mostra que a jornada de trabalho feminina é mais extensa.

O fato de as mulheres se responsabilizarem pelo trabalho doméstico lhes tira tempo e as exclui dos espaços públicos, mas o reconhecimento da importância deste trabalho e de que as mulheres o realizam majoritariamente é o que justifica historicamente algumas regras previdenciárias diferenciadas por gênero. Ao propor igualar as idades, aumentaria a sobrecarga das mulheres.

Piso previdenciário: o patamar do piso previdenciário afeta mais as mulheres, já que piores rendimentos e mais precárias vinculações as empurram para o recebimento do benefício de valor mínimo. A desigualdade salarial entre homens e mulheres reflete-se ainda na aposentadoria, que é baseada na remuneração média.

Expectativa de vida das mulheres: argumenta-se a favor da aproximação das idades de aposentadoria pela maior expectativa de vida ao nascer das mulheres. A expectativa de vida ao nascer dos homens é 7,2 anos menor que das mulheres, fruto de maior mortalidade de homens jovens, especialmente por acidentes ou homicídios. Já aos 60 anos, a diferença já é de 3,6 anos e, aos 65 anos, é de 3,1 anos. Assim, a diferença na expectativa de vida diminui muito com o tempo.

Papel das políticas públicas: Na União Europeia, há maior igualdade entre as idades mínimas de aposentadoria de homens e mulheres, mas isso tem ocorrido de forma gradual e acompanhado de políticas de cuidado (creches, apoio a idosos e pessoas com deficiências) e compensações às mulheres. A simples supressão da diferença de idade leva a maior desigualdade de gênero.

Interesses

A Reforma da Previdência é “gêmea” da PEC 55, que estipula um novo regime fiscal para o Brasil. Com a aprovação da PEC, faz-se necessário conter o crescimento dos gastos previdenciários no país, jogando a conta da crise fiscal para os que dependem e dependerão da Previdência. Ganham, por exemplo, as instituições que promovem previdência privada.

Um exemplo dos interesses privados na Reforma fica evidente pela análise do perfil do relator da PEC 287/16, deputado Arthur Maia (PPS-BA). Maia recebeu doações de campanha do Itaú, Santander, Safra e Bradesco, que ganhariam muito com a abertura de espaço para a previdência privada. Além disso, ele também defendeu no Congresso que o regime da Previdência só seja diferenciado para mulheres casadas ou mães.

Outro interesse que permanece intacto com a reforma é o das grandes empresas devedoras à Previdência: a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional divulgou a lista das 500 empresas com os maiores débitos com a Previdência Social e as duas maiores dívidas seriam da Massa Falida da Varig e da JBS S.A. Ainda, as dívidas dos municípios com o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) somam R$ 99,6 bilhões em contribuições previdenciárias, o que onera o sistema previdenciário.