O Movimento Passe Livre (MPL) caminha, nesta quinta-feira, 23 de janeiro, para a quarta manifestação de rua deste ano contra o aumento da tarifa de transporte público em São Paulo.

Em duas das manifestações anteriores, houve forte repressão policial. A maçica presença das forças de segurança, bastante superior ao número de manifestantes, é algo que tem se destacado nas mobilizações do MPL neste ano. Porém, diferentemente do que ocorreu em 2013, a pancadaria da polícia sobre os participantes e a detenção de pessoas – incluindo representantes da imprensa, como ocorreu em 7 de janeiro, quando um fotógrafo foi levado para uma delegacia – não têm sido suficientes para atrair a atenção da mídia, que tem noticiado os protestos de maneira protocolar, quando o faz.

O Diretório Municipal do PT divulgou nota, no último dia 17, em que critica e denuncia a repressão da polícia comandada pelo governador João Doria sobre os manifestantes. No dia 22, a bancada do Psol na Assembleia Legislativa estadual anunciou que encaminhou denúncia à Organização dos Estados Americanos (OEA) contra o governo por conta da repressão e de nova regulamentação, baixada por Doria, que abre caminho para reprimir este e futuros protestos.

Até aqui, as mobilizações do MPL não têm atraído novos adeptos.

Porém, a intenção é continuar nas ruas, afirma Gabriela Dantas, definida pelo movimento como “figura pública”, ou seja, a representante a quem cabe atender a imprensa. Ela diz que ainda espera por mais adesões. “A gente acha que qualquer um que se coloca ao lado das reivindicações dos de baixo deve endossar essas pautas”, afirma Biba, que é professora de Geografia.

Gabriela participou das mobilizações de 2013. Ao comentar que o MPF é apontado por muitos como aquele que teria aberto a Caixa de Pandora e dado início à guinada conservadora que desembocou no impeachment de Dilma Rousseff e na eleição de Jair Bolsonaro, ela pontua: “A gente acredita também que não se pode desqualificar ou deslegitimar as lutas por direitos por conta da gestão que estava no poder à época”.

Ela acrescenta que a luta deste ano é também contra o corte anunciado de linhas de ônibus na capital paulista, que em breve deve perder aproximadamente mil veículos da frota.

Acompanhe a entrevista:

Há uma crítica grande às manifestações de 2013, de que aquilo teria dado início a uma guinada à direita. Que leitura você faz disso depois de tantos anos?

Bom, evidentemente, um evento tão marcante como as Jornadas de Junho tem diversas interpretações, diversas narrativas. Mas, do ponto de vista do Movimento Passe Livre, a gente acha muito importante reforçar que aquilo foi uma luta por transporte público, pela revogação do aumento da tarifa. E que foi vitoriosa. Mais de cem cidades no Brasil tiveram seus aumentos revogados. Isso significou uma redistribuição de renda gigantesca, maior que um ano de Bolsa Família. Isso é muito significativo e não pode ser jogado fora. A gente acredita também que a gente não pode desqualificar ou deslegitimar as lutas por direitos por conta da gestão que estava no poder à época. Então, se um governo se pretende de esquerda, a posição desse governo deve ser ouvir as reivindicações que vêm das ruas, que vêm da população que necessita de um transporte de melhor qualidade, e que hoje não é público de fato. Quem não tem dinheiro pra pagar a tarifa não tem como se deslocar. A gente sabe que isso significa uma estrutura extremamente excludente. Quem mora nas periferias fica impedido de chegar ao centro, que é onde fica a maior parte dos equipamentos culturais e públicos e dos empregos. Então a gente acha que qualquer um que se coloca ao lado das reivindicações dos de baixo deve endossar essas pautas.

Gabriela, porta-voz do MPL, na Praça da Sé

Créditos: Isaías Dalle

 

Você acha que houve uma demora por parte de quem ocupava os três níveis de governo, à época?

Acho que sim. A gente teve uma crescente, uma série de manifestações, com centenas de milhares de pessoas nas ruas, e só então, depois de muita repressão e muita luta, que houve a resposta. Mas, ao mesmo tempo, isso mostrou que a gente tem uma força de se mobilizar, se organizar, e fazer essa política desde baixo. Tanto é que em 2014 a gente teve a maior onda de greves da história recente do país, e achamos que isso não é à toa. Entre os saldos positivos que tivemos em 2013, há esse acúmulo grande das lutas, que resultou em greve de rodoviários, que não acontecia havia muito tempo, greve de metroviários, a greve dos garis no Rio de Janeiro.

E para este ano, o que você e o MPL esperam? Pode crescer? E como dobrar governos que, ao que tudo indica, são autoritários e reacionários?

Com certeza, a gente está num cenário muito complicado do ponto de vista do governo. A gente reconhece isso. Mas, justamente por causa deste cenário, o que a gente não pode fazer é baixar a cabeça, a gente não pode deixar de se manifestar e de lutar pelos nossos direitos. Sem luta não existem direitos, sempre foi assim na história do Brasil. A maior parte da população nunca viveu um Estado de Direito. Então é por isso que a gente continua reivindicando a ocupação das ruas. A gente acredita que a mobilização pode sim, crescer, mas é difícil, porque a repressão vem aumentando muito fortemente desde 2013, 2014, e nos últimos anos. Mas tem muita gente revoltada, também. Isso a gente sabe. Inclusive muita gente que está revoltada com o preço da passagem não consegue vir pra manifestação por que não consegue pagar o preço da tarifa. Mas a ideia é seguir nas ruas até a revogação.

Você acredita no apoio, na participação física, nas ruas, dos movimentos mais tradicionais, como os sindicatos, a UNE?

Sim, claro. O sindicato dos metroviários, por exemplo, eles divulgaram as manifestações. A UNE esteve presente. O MTST também convocou a manifestação. Temos articulações, estamos conversando e esperamos que todos que concordam com a pauta se somem nessa luta.

Créditos: Daniel Arroyo/Ponte

PMs versus manifestantes

 

Quer acrescentar alguma coisa?

Acho que algo que é importante destacar é que, neste ano, além do aumento da tarifa, estamos enfrentando outra questão que é muito delicada no transporte que são os cortes de linhas de ônibus. No ano passado, foi aprovada nova licitação dos ônibus municipais, com novos contratos entre a prefeitura e as empresas de ônibus. Nesse contrato, há centenas de linhas de ônibus que estão para ser extintas, outras tantas vão ser encurtadas, e a frota de ônibus vai diminuir em quase mil veículos. Isso significa que se a gente já tem uma situação precária hoje, isso só vai piorar. Então, a ideia é aproveitar esse momento de luta contra o aumento das tarifas para organizar os debates nos bairros contra esses cortes nas linhas.

Algo que eu esqueci: nas mobilizações, há a presença de parlamentares e de representantes de partidos políticos ou isso não seria bom para o movimento?

A gente acha que todo mundo que quiser somar e estar junto é benvindo. A gente tem conversado com parlamentares, que têm ajudado em momentos como os de repressão covarde e absurda da polícia militar.