Pandemia segue descontrolada no país, enquanto Bolsonaro ensaia um comitê de gestão da Covid. A crise política se acelera e o presidente da Câmara ameaça uso de “remédios amargos” para tirar o governo da paralisia. Para piorar, os donos do dinheiro e a Faria Lima dão sinais de desembarque. A nau segue à deriva

Acuado pela pressão do Congresso e de estados e municípios, com a popularidade em queda livre em função da crise, Jair Bolsonaro decidiu apostar na perda de memória coletiva. Luta para se safar do peso de 300 mil mortos por Covid-19. A marca trágica foi ultrapassada na quarta-feira, 24. Na véspera, Bolsonaro ocupou a cadeia de emissoras de rádio e TV para mentiu em pronunciamento à nação. Disse que a vacinação será “o ano dos brasileiros”. Ao mesmo tempo, para se livrar da responsabilidade, reuniu-se com os presidentes da Câmara e do Senado, Artur Lira e Rodrigo Pacheco, além de Luiz Fux, do STF, e governadores aliados para tratar da criação de um comitê de crise.

O movimento parece tardio e só aconteceu depois que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva surgiu no cenário internacional para pedir ajuda dos líderes mundiais para a tragédia humanitária que o país vive. Além de propor a criação do comitê de crise, ideia adotada por Bolsonaro um ano após a chegada do vírus ao país, Lula começou a se movimentar pedindo aos presidentes dos Estados Unidos, Joe Biden, e da França, Emmanuel Macron, que dêem início a uma discussão do G20 para tratar de uma campanha global de vacinação em massa. O Brasil é hoje o epicentro mundial da pandemia do coronavírus.

Bolsonaro tenta ganhar terreno, no momento em que o Brasil anuncia a tenebrosa marca de 3.158 vidas perdidas em um único dia. Na TV, Bolsonaro tentou apagar o rastro de sangue deixado por sua estratégia de sabotagem ao combate à pandemia, adotada desde o início do surto. “Estamos fazendo e vamos fazer de 2021 o ano da vacinação dos brasileiros. Somos incansáveis na luta contra o coronavírus”, disse. A imprensa europeia — incluindo jornais franceses, portugueses e ingleses — chamou-o de mentiroso. Ele não apenas alterou dados da pandemia como escondeu as ações que permitiram o aumento das contaminações pelo vírus. Seu pronunciamento foi alvo de panelaços e protestos nas principais cidades do país.

A campanha de vacinação brasileira está atrasada. Ex-ministros da Saúde, como Humberto Costa (PT-PE) e Alexandre Padilha (PT-SP) alertam que a situação está se agravando e faltam vacinas porque o governo não se mexe. Pelo contrário. Está revendo para baixo o número de imunizantes que estarão disponíveis para a população. Dados do Ministério da Saúde apontam que, de 57,1 milhões doses programadas para serem repassadas até 30 de abril, apenas 47,3 milhões serão entregues. São 8,85 milhões de doses da vacina de Oxford a menos, além da retirada de 1 milhão de doses da Pfizer na previsão da pasta.

“Bolsonaro foi para a televisão mentir para o povo”, denuncia Padilha. “A verdade é que o genocida prometeu milhões de doses de vacina, mas não entregou o valor prometido de março e não entregará o de abril. Enquanto isso, 30 mil pessoas perderam a vida enquanto decidia sobre qual ministro controlaria”, condenou.

O presidente tenta vender a imagem de um líder comprometido com a saúde da população. Mas o passado o condena. Ele jamais trabalhou para viabilizar vacinas. E ignorou as 70 milhões de vacinas oferecidas pela Pfizer em agosto de 2020. A imprensa internacional não se cansa de repetir o óbvio. O líder da extrema-direita brasileira, além de negacionista, se posicionou afrontando a ciência. No início de março, surgiu no Alvorada desdenhando do número de mortes. “Nós temos que enfrentar os nossos problemas, chega de frescura e de mimimi”, disse. “Vão ficar chorando até quando?”