As paralisações de 1978 foram a primeira grande manifestação da classe trabalhadora brasileira após 10 anos de aparente silêncio e em meio a um quadro político fortemente autoritário

Por Laís Abramo *

Por que as greves de 1978 e todas aquelas ocorridas até 1980, no maior e mais expressivo ciclo grevista da história brasileira, adquiriram um significado tão importante, capaz de marcar definitivamente a luta contra a ditadura militar e pela redemocratização da sociedade brasileira nela introduzindo a questão social? Por que foram momentos e processos cruciais não apenas para o renascimento do movimento sindical brasileiro, mas também para sua capacidade de projetar a classe trabalhadora como um ator político fundamental na sociedade brasileira, o que se consubstanciou nos anos seguintes na criação das centrais sindicais e do Partido dos Trabalhadores?

As greves de 1978 foram a primeira grande manifestação da classe trabalhadora brasileira após dez anos de aparente silêncio e em meio a um quadro político fortemente autoritário. Elas explodem na manhã de 12 de maio, na fábrica da Scania, em São Bernardo do Campo. E, rapidamente, espalham-se, em primeiro lugar para outras empresas metalúrgicas da cidade e, depois, para outras cidades da região do ABC, além de São Paulo, Osasco e Guarulhos.

Em dois meses, 275 mil trabalhadores haviam passado pela experiência grevista. Em um período de quatro meses, mais de um milhão de trabalhadores haviam sido beneficiados por acordos decorrentes direta ou indiretamente das greves, já que muitas empresas tentaram se antecipar ao movimento concedendo antecipações e aumentos salariais.

Pela primeira vez, desde 1964, os trabalhadores conseguiram obter reajustes salariais superiores aos índices anuais decretados unilateralmente pelo governo. Esses acontecimentos inauguram um ciclo grevista que se estende quase sem interrupções pelos dois anos seguintes, atingindo mais de 4 milhões de trabalhadores das mais diversas categorias em outras regiões do país.

O significado desse ciclo grevista na conjuntura e sua contribuição para o agravamento da crise de legitimidade da ditadura militar não pode ser entendido analisando apenas suas reivindicações expressas, em geral de aumento salarial e respeito a direitos básicos de organização sindical. As greves continham também uma forte demanda de recuperação da dignidade dos trabalhadores, que se manifestou de várias formas, entre elas na expressão do presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, Luiz Inácio Lula da Silva, que se transformou em um dos principais símbolos do movimento. “Agora podemos voltar a andar de cabeça erguida”.

Essa demanda por dignidade expressava uma reação condensada a uma situação de sistemático desrespeito aos direitos trabalhistas e humanos dos trabalhadores, em um quadro caracterizado por um despotismo fabril no interior das empresas e pelo autoritarismo no conjunto da sociedade.

Por expressar uma corajosa reação a essa situação, as greves ecoaram tão amplamente e obtiveram tanta solidariedade, constituindo-se sem dúvida, em mais um apito da panela de pressão. Ou seja, em mais um grito de basta à opressão da ditadura militar, tal como as primeiras passeatas estudantis do pós-68, ocorridas exatamente um ano antes, quando os estudantes conseguiram retomar as ruas como espaço de manifestação pública e política.

O ciclo grevista aberto em maio de 1978 significou a reaparição da classe trabalhadora como um sujeito coletivo organizado no cenário político do país, modificando as dimensões e a qualidade da luta de resistência à ditadura até então travada por vários setores sociais. E provocando uma mudança substancial nos projetos de abertura política do regime.  Suas lideranças e a base social que em torno a elas se mobilizou e se organizou tiveram um papel fundamental na criação e consolidação do Partido dos Trabalhadores.

Ex-diretora da Organização Internacional do Trabalho (OIT) no Brasil de 2005 a 2015, foi ainda diretora da Divisão de Desenvolvimento Social da Comissão Econômica para América Latina e o Caribe (CEPAL) de 2015 a 2019.