Crime contra o interesse nacional
Refinaria baiana é vendida na xepa da pandemia. Engendrada na calada da noite e no apagar das luzes da diretoria da Petrobrás, a operação é suspeitíssima
por Jean Paul Prates *
Enquanto os brasileiros são impactados pelo recorde de 3.251 óbitos pelo coronavírus, e o presidente da República faz mais um pronunciamento inócuo em cadeia nacional, a imprensa noticia o envio, por parte da diretoria da Petrobras, de uma suspeitíssima recomendação de fechamento da venda da Refinaria Landulpho Alves (RLAM), na Bahia, para o Conselho de Administração.
Segundo o Estadão, o documento reconhece que a refinaria está sendo vendida a preço “inferior à faixa média de referência” estimada para o seu valor. E salienta que o TCU fez questionamentos, sem encerrar a análise do negócio.
Mesmo assim, a diretoria em fim de mandato insta os conselheiros a que tomem logo a decisão a respeito da questão tormentosa. Isso apesar de o presidente da empresa, Roberto Castello Branco, já ter seu mandato vencido e vários conselheiros já terem deixado os cargos, enquanto outros encontram-se em processo de substituição.
O BTG Pactual afirma que a proposta está 35% abaixo do limite inferior projetado por sua equipe de analistas. Outros especialistas afirmam que a refinaria vale, mesmo hoje, mais que o dobro do valor oferecido pelo fundo árabe interessado no preço promocional.
A operação, engendrada na calada da noite e no apagar das luzes de vários mandatos dos dirigentes, é suspeitíssima. E, a meu ver, deverá jogar holofotes intensos sobre os interesses que motivam todo o processo.
Desde o início, considero que esta venda foge à lógica de qualquer gestão responsável de uma empresa integrada de petróleo. Mais ainda de uma empresa estatal mista com atribuições especiais como a Petrobrás. O financiamento do Pré-Sal é pretexto para incautos, pois é garantido pelo próprio valor das imensas reservas já comprovadas com investimentos da própria Petrobrás.
A alegação de que a empresa está sendo obrigada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) também é estapafúrdia. Afinal, foi a própria gestão Castello Branco quem foi voluntariamente ao Cade oferecer a venda de oito de suas principais refinarias, ainda em 2019.
O Cade, por sua vez, nunca realizou análise específica dos mercados atendidos por estas refinarias. Mas é pior. A Petrobras nunca se defendeu das minúsculas e especificas denúncias que geraram o processo no Cade, originalmente. Apenas aquiesceu, e ofereceu seu patrimônio.
Esta diretoria da Petrobras já merece ser investigada profundamente. Além disso, precisa ser responsabilizada pela venda destes ativos por preço vil. Não podem usar o contexto da pandemia como desculpa.
É um absurdo este processo, sem transparência, sem lógica, repleto de conflitos de interesses, com dirigentes cuja remuneração é proporcional à arrecadação pelos ativos alienados. Pairam suspeitas.
Notificamos cada um dos membros do Conselho de Administração da Petrobrás e toda a cúpula do Cade sobre a potencial responsabilidade de cada nesta operação. A lupa da opinião pública, da imprensa, do Judiciário e do Legislativo já está sobre cada um dos responsáveis por esta afoita e suspeita transação. •
* Economista e advogado, é senador da República (PT-RN) e presidente da Frente Parlamentar em Defesa da Petrobras.