A guerra na Ucrânia leva ao inesperado: o genial escritor russo está sendo alvo da estupidez humana em tempos de ódio

 

 

A guerra no leste europeu levou os Estados Unidos a moverem sanções duras contra a Rússia governada por Vladimir Putin. Mas o que parece ser um revide econômico ao líder russo ganha ares de caçada macarthista contra qualquer coisa que venha do outro lado da Cortina de Ferro, que a OTAN e alguns países do Ocidente promovem. Tome-se o cancelamento do escritor Fiódor Dostoiévski.

Morto há 141 anos, o gigante da literatura russa tornou-se alvo da Nova Guerra Fria. A universidade italiana Milano-Bicocca decidiu cancelar um curso livre sobre o romancista russo com o objetivo de evitar qualquer polêmica “neste momento de grande tensão”.

A decisão motivou reações indignadas do ex-primeiro ministro Matteo Renzi e da ministra da Educação da Itália, Maria Cristina Messa, e foi rapidamente revertida. Mas a universidade, segundo relata o jornal Le Figaro, já não evitou que o assunto fosse parar no  Parlamento italiano.

Tudo começou depois que o escritor italiano — e tradutor — Paolo Nori, especialista em literatura russa, criticou a decisão da universidade. O curso era sobre os romances de Dostoiévski, autor, entre outros, dos clássicos “Crime e castigo”, “O idiota” e “Os irmãos Karamazov”. Nori recebeu e-mail da universidade informando-o de que o vice-reitor, a pretexto de evitar controvérsias no contexto criado pela invasão russa da Ucrânia, decidiu cancelar o curso.

“Uma censura ridícula”, acusou Nori. Ele lembrou que Dostoiévski, sob o regime do Czar Nicolau I, foi condenado à morte, a pena foi trocada depois por trabalhos forçados na Sibéria, por ter lido em público um texto proibido.

O boicote cultural à Rússia cresce a cada dia. “Estão tentando cancelar o país atacando qualquer pessoa e qualquer coisa remotamente associada a ele”, criticou a apresentadora do serviço em francês do canal Russia Today, Rachel Marsden. Ela lembrou que a França foi alvo da mesma ação política quando se opôs à invasão do Iraque, ainda no governo de George W. Bush. No Congresso dos EUA, as batatas fritas, que em inglês são chamadas de french fries, foram batizadas de “free fries” — fritas da liberdade.

Em Florença, na Itália, o presidente da Câmara, Dario Nardella, recebeu pedidos para desmontar a estátua de Dostoiévski, inaugurada na cidade para celebrar o segundo centenário do escritor. Em Londres, três companhias de balé russas, incluindo o Bolshoi, tiveram suas turnês no Reino Unido canceladas, numa reação de boicote cultural. O diretor da companhia de bailado do Teatro Stanislavski, em Moscou, o francês Laurent Hilaire, demitiu-se do cargo. Ainda vamos longe… •