No Chile, uma nova geração chega ao poder
O ex-líder estudantil Gabriel Boric assume a Presidência da República, renovando a esperança de um novo tempo para o país andino. A ex-presidenta Dilma compareceu à posse
A esquerda latino-americana ganhou um rosto novo na última sexta-feira, 11. O ex-líder estudantil chileno Gabriel Boric, 36 anos, tomou posse como presidente, marcando a mudança mais acentuada na política do país andino desde o retorno à democracia, três décadas atrás, após a sangrenta ditadura do general Augusto Pinochet. No prédio do Congresso, na cidade portuária de Valparaíso, Boric pegou a faixa presidencial do ex-presidente bilionário Sebastian Piñera, tornando-se o líder mais jovem já eleito do país.
“Perante o povo chileno, faço minha promessa”, disse. Em um sinal de mudança dos tempos, ele vestia camisa e paletó, mas sem gravata, algo inédito na história do país. Pelo Brasil, a ex-presidenta Dilma Rousseff compareceu à posse na condição de convidada pessoal do novo presidente, que a abraçou efusivamente, assim como outros dirigentes esquerdistas da América do Sul, como o presidente da Argentina, Alberto Fernández.
Além de Dilma e Fernández, estiveram presentes à posse o presidente Pedro Castillo (Peru), Luis Arce (Bolívia), Mario Abdo Benítez (Paraguai), Luis Lacalle Pou (Uruguai) e Guillermo Lasso (Equador). O vice-presidente do Brasil, General Hamilton Mourão, compareceu à cerimônia representando Jair Bolsonaro. Era um estranho no ninho.
O gabinete de maioria feminina de Gabriel Boric também tomou posse na sexta-feira. Uma parte do Senado estava repleta de representantes de várias comunidades indígenas do Chile em trajes tradicionais. “É um sinal de que será um governo inclusivo”, disse Cecilia Flores, uma indígena aimará à agência Reuters.
Foi a primeira vez que representantes de cada grupo indígena estiveram presentes na posse de um presidente da República no Chile. “Será um governo que fará as mudanças sociais pelas quais o povo do Chile vem lutando, especialmente os grupos indígenas’, disse.
“Desejo-lhe sucesso em seu futuro governo”, disse o presidente Sebastián Piñera em seu discurso, citando preocupações com políticas de identidade, enfraquecimento do judiciário e aumento do crime no país. “Mas também desejo que tenha sabedoria para distinguir o certo do errado”.
A ascensão de Boric desperta esperança entre os progressistas no Chile, um bastião conservador de mercados livres e prudência fiscal na volátil América do Sul. Líder de uma ampla coalizão de esquerda, incluindo o Partido Comunista do Chile, Boric prometeu reformular o modelo econômico guiado pelo mercado para combater a desigualdade que provocou protestos violentos em 2019. Desde que foi eleito, contudo, ele adotou um tom moderado.
O Chile está reformulando sua Constituição, uma herança da era Pinochet, responsável por alimentar a desigualdade que levou a meses de protestos violentos que tomaram conta do Chile em 2019. A sombra de Augusto Pinochet ainda paira sobre o país andino. Ele foi responsável direto pelo Golpe de Estado que derrubou o presidente socialista Salvador Allende em 1973.
Boric se apresenta como um bastião do legado de Allende. A eleição do jovem líder de esquerda foi pintada pela mídia como um acontecimento que encheu de esperança os corações de chilenos — jovens e idosos. “Ele me lembra Allende, mas espero que tenha um final mais feliz”, disse Marigen Vargas, 62, à Associated Press. Ela viajou a noite toda para estar na posse de Boric do lado dfe fora do Congresso Nacional, que funciona em Valparaíso. “Queremos um Chile mais unido e feliz”.
Boric tem pela frente grandes desafios, como uma acentuada desaceleração econômica, inflação em alta e uma Congresso dividido que testará sua capacidade de fazer acordos para promover reformas na saúde e no regime de aposentadoria, enquanto endurece a regulamentação ambiental. •
Boric cita Allende e fala em um ‘governo do povo’
Uma festa popular como Santiago não via há muitos anos. Diante de uma multidão o novo presidente do Chile, Gabriel Boric, disse que o governo será voltado para o povo e afirmou, da sacada do Palácio de la Moneda, que não teria chegado ao poder sem as mobilizações populares.
Num discurso interrompido em vários momentos pelos aplausos dos milhares de chilenos que lotaram a histórica Praça da Constituição, Boric lembrou a ditadura de Augusto Pinochet — “o passado de violência e opressão que não esqueceremos e que nunca mais pode voltar a se repetir” — e citou o ex-presidente socialista derrubado do poder em 1973.
“Como previra há quase 50 anos Salvador Allende, estamos de novo, compatriotas, abrindo as grandes alamedas por onde passem o homem livre, o homem e a mulher livres, para construir uma sociedade melhor. Continuamos, viva o Chile!”, disse, emocionado o novo presidente.
“Precisamos reparar as feridas que ficaram da explosão social (os protestos e manifestações que eclodiram no país em 20190. Por isso, ontem (quinta, 10) retiramos as denúncias contra o Estado por violência. Vamos trabalhar pelo reencontro dos chilenos”.
O novo presidente também pediu o respaldo da população ao trabalho da Constituinte, que está elaborando a nova Carta Política do Chile, e que será submetido a um plebiscito de saída. “Vamos apoiar o trabalho da Assembleia”, disse. •