ABIN de Bolsonaro é alvo de operação PF por vigilância clandestina de cerca de 30 mil brasileiros utilizando software israelense; é a segunda operação que investiga espionagem na agência então comandada por Alexandre Ramagem (PL-RJ), subordinado a General Heleno, então ministro do GSI

Nesta última quinta-feira, dia 25/1, a Polícia Federal realizou o cumprimento de 21 mandados de busca e apreensão, bem como medidas cautelares diversas de prisão durante a Operação Vigilância Aproximada. A operação foi autorizada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes e investiga uma organização criminosa de espionagem que teria se estabelecido na Agência Brasileira de Inteligência (Abin), durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro.

O propósito, segundo aponta as investigações, era o de realizar monitoramento ilegal de autoridades públicas e outros indivíduos durante a gestão de Alexandre Ramagem (PL-RJ), à frente da Agência e de General Heleno, então ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, o GSI. O número de pessoas espionadas chega a 30 mil – vigilância ilegal e clandestina, práticas de uma ditadura.

No relatório do ministro Alexandre de Moraes, o ministro afirma que a “alta gestão” da Abin naquele momento – “especificamente Alexandre Ramagem e Carlos Afonso” – “interferiu nas apurações disciplinares para que não fosse divulgada a instrumentalização da Abin”.  

Entre os alvos, está o próprio ministro Moraes, numa tentativa de associá-lo à organização criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC). Para tanto, também foi monitorada a advogada Nicole Giaberardino Fabre, que trabalhava na época para a ONG Anjos da Liberdade. 

Segundo as investigações, no mesmo contexto, outro ministro do STF, Gilmar Mendes, teve a localização rastreada “alimentando a difusão de fake news contra os magistrados da Suprema Corte”.

O software de espionagem de celulares

De acordo com a investigação da PF, a possibilidade de que fosse revelado o uso irregular do sistema de monitoramento First Mile levou os então gestores da Abin a anular um processo administrativo disciplinar sobre o tema. Ramagem e Afonso também teriam agido para “dar aparência de legalidade” ao uso irregular do First Mile. O sistema foi usado, segundo a PF, entre 6 de fevereiro de 2019 e 27 de abril de 2021.

A ação denominada “Vigilância Aproximada”, da PF, é uma continuação da operação “Primeira Milha”, que teve início em outubro de 2023 com o propósito de investigar as alegações de utilização criminosa da ferramenta “FirstMile”. Essa tecnologia de espionagem, desenvolvida pela empresa israelense Cognyte (anteriormente conhecida como Verint), teve seu mau uso revelado em março pelo jornal O Globo.

Alexandre Ramagem, ex-diretor da Abin e atualmente deputado federal pelo partido PL-RJ, está no centro das investigações. Sua ligação direta com a agência de inteligência levou a suspeitas de seu envolvimento no esquema de monitoramento ilegal. Tanto Ramagem quanto Heleno enfrentam intensa pressão pública e política, além de terem seus nomes associados a este escândalo pela segunda vez, em uma segunda operação da PF. 

Horas depois da operação ser deflagrada, Ramagem disse em entrevista que “Nós da direção da Polícia Federal, policiais federais que estavam comigo, nunca tivemos a utilização, execução, gestão ou senha desses sistemas”, pontuou o deputado, que também foi delegado da PF.  Foram feitas buscas no gabinete de Ramagem e no apartamento funcional da Câmara hoje ocupado por ele. 

Exonerações 

Na sexta-feira (26), o governo tomou a decisão de destituir Carlos Afonso Gonçalves Gomes Coelho, delegado da Polícia Federal, de seu cargo como coordenador de Aviação Operacional. A exoneração foi oficializada por meio de publicação no Diário Oficial da União (DOU).

Carlos está sendo investigado por sua suposta participação em um esquema de espionagem ilícita dentro da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Durante o período em que Alexandre Ramagem ocupou o cargo de diretor-geral da Agência, Carlos ocupava a posição de secretário de Planejamento e Gestão da Abin.

Ministros do STF na mira e filhos de Bolsonaro beneficiados

O grupo também teria atuado para difundir informações falsas e vincular os ministros do STF Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes a uma facção criminosa. As suspeitas estão em um arquivo eletrônico apreendido na primeira fase da operação, realizada no ano passado, previamente citada nesta matéria. “O arquivo ‘prévia Nmni.docx’ mostra a distorção, para fins políticos, da providência, indicando a pretensão última de relacionar a advogada Nicole Fabre e os ministros do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes com a organização criminosa Primeiro Comando da Capital – PCC, alimentando a difusão de fake news contra os magistrados da Suprema Corte”, complementa o relatório.Segundo a Polícia Federal, desafetos políticos também entraram na mira: os investigados utilizaram a ferramenta de monitoramento para vigiar Rodrigo Maia, ex-presidente da Câmara dos Deputados, Joice Hasselmann, ex-deputada federal, e Roberto Bertholdo, advogado que possuía proximidade com Hasselmann e Maia, considerados adversários políticos do governo na época.Além disso, governadores também foram alvos desse esquema de espionagem, incluindo Camilo Santana, atual ministro da Educação e ex-governador do Ceará. A Polícia Federal também apontou que a Abin foi instrumentalizada para monitorar a promotora de Justiça do Rio de Janeiro que coordenava a força-tarefa do caso Marielle Franco e Anderson Gomes.Beneficiários desse monitoramento ilegal incluíram pelo menos dois filhos do ex-presidente: Jair Renan Bolsonaro e o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). Os investigadores indicaram que essa prática de monitoramento ilegal foi utilizada em situações de natureza pessoal e política.Em 2021, a Polícia Federal instaurou um inquérito para investigar um suposto tráfico de influência por parte de Jair Renan. Uma das circunstâncias envolvia a suspeita de que ele teria recebido um veículo elétrico em troca de favorecer empresários do ramo de exploração minerária.O relatório da Polícia Federal afirma que as ações de inteligência realizadas pela Abin foram planejadas para não deixar rastros, o que levou a alta gestão a decidir por não divulgar o relatório quando solicitado pela Presidência da República através do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), de General Heleno, diretamente para a direção geral da Abin.Outra pessoa mencionada no relatório da Polícia Federal como espionada pela Abin é Allan Lucena, ex-personal trainer e ex-assessor de negócios de Jair Renan Bolsonaro. Durante seu período como preparador físico de Jair Renan, Lucena era também promotor no projeto “Camarote 311”, associado ao escritório da empresa Bolsonaro Jr. Eventos e Mídia dentro do Estádio.