Interpretação deturpada do Artigo 142 da Constituição baseou tentativa de golpe orquestrada por Bolsonaro

Agência PT

Por unanimidade, os 11 ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) firmaram o entendimento de que a Constituição não prevê o papel das Forças Armadas como poder moderador, a intervenção militar e a ruptura institucional.

O esclarecimento do STF foi feito em uma ação do PDT, relatada pelo ministro Luiz Fux e julgada em plenário virtual. O prazo final do julgamento é esta segunda-feira, 8.

A tese do poder moderador dos militares foi usada por Jair Bolsonaro (PL) durante todo o seu governo em ameaças contra o STF e a democracia. Essa interpretação deturpada do Artigo 142 da Constituição, conforme inquérito da Polícia Federal, também foi usada pelo jurista Ives Gandra Martins como suporte à minuta golpista que Bolsonaro apresentou aos chefes militares para pedir o uso das tropas contra a posse presidencial de Lula.

Nesse sentido, os atentados terroristas que se seguiram à eleição de Lula, como os de 8 de janeiro de 2023, foram estimulados pela cúpula golpista para criar uma situação de desordem que justificasse a convocação dos militares.

A presidenta do PT, deputada federal Gleisi Hoffmann (PR), parabenizou o STF pela decisão, em postagem nas redes sociais. Ela também criticou Ives Gandra, que afirmou, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, não ter dado suporte jurídico à trama golpista de Bolsonaro.

“Na imprensa hoje, Ives Gandra Martins tenta se livrar da pecha de ser o inspirador da leitura golpista do artigo 142 da Constituição, como se vê no Inquérito do STF sobre o 8 de janeiro. Diz que não é golpista, mas sustenta que o Congresso deve chamar as Forças Armadas para ‘se defender’ do Supremo, insuflando um poder contra outro”, disse a deputada.

“Está de parabéns o STF por ter sepultado, por unanimidade, a tese esdrúxula do professor Gandra, catedrático de Direito Inconstitucional”, conclui a presidenta do PT.

Entenda 

O relator do processo, ministro Luiz Fux, já havia concedido uma liminar (decisão individual), em 2020, afastando a hipótese de as Forças Armadas atuarem como poder moderador. O julgamento da ação do PDT foi realizado no plenário virtual do STF. 

Na sexta-feira, 29/3, o ministro defendeu que o Supremo estabeleça que:

–  A missão institucional das Forças Armadas na defesa da Pátria, na garantia dos poderes constitucionais e na garantia da lei e da ordem não acomoda o exercício de poder moderador entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário;

– A chefia das Forças Armadas é poder limitado e não pode ser utilizada para indevidas intromissões no funcionamento independente dos outros poderes;

– A prerrogativa do presidente da República de autorizar o emprego das Forças Armadas, por iniciativa própria ou por intermédio dos presidentes do STF, do Senado ou da Câmara dos Deputados não pode ser exercida contra os próprios poderes entre si;

– O emprego das Forças Armadas para a “garantia da lei e da ordem” presta-se ao excepcional enfrentamento de grave e concreta violação à segurança pública interna, em caráter subsidiário, após o esgotamento dos mecanismos ordinários e preferenciais de preservação da ordem pública.

Golpe de 1964

O presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, foi o primeiro a acompanhar o voto do relator. O voto do relator também foi seguido pelos ministros Flavio Dino, Luiz Edson Fachin, André Mendonça e Gilmar Mendes.

No domingo, 31 de março, quando o golpe militar de 1964 completou 60 anos, Flávio Dino registrou o seu voto, ressaltando a correlação histórica entre a ditadura militar que se estendeu no país por duas décadas e a tentativa de estabelecer os militares como “força moderadora” do Estado brasileiro.

“Em data que remete a um período abominável da nossa História Constitucional: há 60 anos, à revelia das normas consagradas pela Constituição de 1946, o Estado de Direito foi destroçado pelo uso ilegítimo da força”, registrou Dino em seu voto. 

“Tal tragédia institucional resultou em muitos prejuízos à nossa Nação, grande parte irreparáveis. São páginas, em larga medida, superadas na nossa história. Contudo, ainda subsistem ecos desse passado que teima em não passar, o que prova que não é tão passado como aparenta ser”, afirmou o ministro.

Limitações

Entre outras solicitações, o PDT pediu que o STF limite o uso das Forças Armadas nas destinações previstas no artigo 142 da Constituição aos casos de intervenção federal, estado de defesa e estado de sítio. O relator, entretanto, não viu razão para essa limitação.

“Caso assim agisse, estaria o Supremo Tribunal Federal a realizar recorte interpretativo que a própria Constituição não pretendeu efetuar. Por outro lado, a semântica dos artigos 1º e 15 da Lei Complementar 97/99 pode ser melhor aclarada em conformidade com a Constituição, no afã de eliminar eventuais interpretações que não possuem guarida na sistematicidade de suas normas”, escreveu Luiz Fux, sugerindo uma atualização da lei que regulamentou o Artigo 142 da Constituição.