De responsabilidade da Vale e BHP Billiton, má gestão da barragem de Fundão deixou 20 mortos e rastro de destruição na bacia do rio Doce

Dez anos após rompimento em Mariana, atingidos seguem em luta por reparação
Ato em Bento Rodrigues, após o rompimento / crédito: Mídia Ninja

Nesta quarta-feira (5), o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, Minas Gerais, completa 10 anos. Uma década depois, pouca coisa avançou na direção de uma reparação integral aos atingidos pela tragédia causada pelas mineradoras Vale e BHP Billiton

Mesmo com 20 mortes e mais de 50 milhões de metros cúbicos de lama, que percorreram praticamente toda a extensão da bacia do rio Doce chegando ao oceano, não houve nenhuma condenação dos responsáveis até hoje. A estimativa é de 2,5 milhões de pessoas atingidas direta ou indiretamente em 49 municípios nos estados de Minas Gerais e Espírito Santo. 

O recém-empossado ministro da Secretaria Geral da Presidência, Guilherme Boulos, fará sua primeira viagem no cargo, nesta quarta-feira (5), para Belo Horizonte, para participar de um ato do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), com a entrega de uma pauta de reivindicações. Os atingidos também escreveram uma carta ao presidente Lula. 

Acordo de repactuação 

Após nove anos de denúncias dos atingidos sobre a má gestão dos recursos pela Fundação Renova, organização criada pelas empresas após o crime, foi assinado um acordo de repactuação, em outubro do ano passado, no valor de R$ 170 bilhões.

Em novos recursos, serão R$ 100 bilhões que devem ser pagos aos estados afetados, 20 municípios, famílias e organizações dos atingidos. O gerenciamento fica a cargo do BNDES com execução até 2045. O plano prevê a execução pela União de um programa de transferência de renda para agricultores e pescadores afetados. Outras responsabilidades, antes a cargo da Samarco, foram transferidas para os governos estaduais de Minas Gerais e Espírito Santo. 

O restante, R$ 70 bi, é referente aos valores que a Samarco ainda deve, tanto nas indenizações quanto nos trabalhos de retirada dos rejeitos do rio Doce (R$ 32 bi), além do que supostamente já foi pago (R$ 38 bi). 

“Temos muitas questões para denunciar, uma delas é a da moradia. Há muitos problemas nos assentamentos construídos pela Renova em Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo e Gesteira, uma parte segue incompleta. Há famílias que vivem em casas alugadas em Barra Longa desde 2018 e não há nenhuma resposta para essas pessoas”, afirma Letícia Oliveira, da coordenação do MAB, em vídeo publicado nas redes sociais. 

Logo após o acordo, o Movimento dos Atingidos por Barragens afirmou, em nota, que “mais de 1,5 milhão de pessoas atingidas pelo rompimento da barragem não participaram do acordo”. Segundo o movimento, o novo pacto exclui trabalhadores em situação de informalidade, comunidades pesqueiras de Vitória, Vila Velha e Guarapari, no Espírito Santo, e as cidades do sul da Bahia. O movimento também destaca a ausência de populações indígenas e comunidades tradicionais.

Dez anos após rompimento em Mariana, atingidos seguem em luta por reparação
crédito: Rogério Alves / TV Senado

Política Nacional  

Além do acordo financeiro, a situação avançou com a Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB) sancionada em dezembro de 2023 pelo presidente Lula. A política garante o reconhecimento enquanto sujeitos de direitos, de forma ampla, as pessoas atingidas por hidrelétricas, mineradoras, no ambiente rural ou urbano. 

Fruto de um acúmulo de mais de três décadas de luta dos atingidos, o texto da PNAB foi sancionado a partir de um Projeto de Lei de 2019, ano de outro rompimento de barragem de rejeitos, em Brumadinho, também em Minas Gerais, que matou 270 pessoas. 

Ao reconhecer legalmente uma pessoa enquanto atingida, a PNAB rompeu com a lógica histórica das negociações “caso a caso”, frequentemente marcadas por assimetria de poder entre empresas e comunidades. 

Dez anos após rompimento em Mariana, atingidos seguem em luta por reparação
crédito: Anthony Luiz / MAB

A legislação define como atingidas as pessoas que perdem propriedades, têm terras desvalorizadas, sofrem com os efeitos da alteração da qualidade da água ou com a perda de renda e trabalho. 

Dois anos após a aprovação, a política ainda segue sem regulamentação e sem recursos financeiros, e sem um órgão dentro da estrutura estatal para que as ações sejam concretizadas. “A aprovação da PNAB foi simbólica, mas sem estrutura e sem regulamentação, ela não entrega nada na prática”, afirmou Robson Formica, da coordenação nacional do movimento, em entrevista ao Brasil de Fato. 

Esfera judicial 

Em novembro de 2024, a justiça absolveu a Samarco e todos os réus por considerar que os documentos, laudos e testemunhas insuficientes para o entendimento de quais responsabilidades individuais contribuíram para o rompimento da barragem. O Ministério Público Federal recorreu da decisão, mas o recurso ainda não foi analisado e já houve a prescrição de alguns dos crimes dos seis réus acusados na ação.

Uma ação civil pública contra a BHP corre na Justiça inglesa a partir de um pedido dos atingidos feito em 2018. Naquele período, a mineradora estava listada na Bolsa de Valores de Londres. A reivindicação indenizatória das comunidades é de R$ 260 bilhões. Em março deste ano, o Tribunal Superior de Londres encerrou a fase de instrução do julgamento, mas a sentença final da juíza Finola O’Farrell ainda não foi publicada.