Arthur Lira fala em “remédios políticos amargos e fatais” e acende “sinal amarelo”. Em carta à Nação, os donos do dinheiro cobram do governo “medidas efetivas” para o combate à pandemia

A manobra política do presidente Jair Bolsonaro em criar um comitê nacional com outros poderes para fazer frente à crise sanitária é um fracasso político. Ele não apenas perdeu na última semana o apoio do sistema econômico, dos ricos e da Faria Lima – coração do capital financeiro – como assiste à debandada na sua base parlamentar de apoio, a geleia geral conhecida como Centrão. Parte do problema de Bolsonaro é Lula. A volta do ex-presidente ao cenário político fez Bolsonaro tentar sair das cordas para manter-se competitivo nas eleições presidenciais de 2022.

A maior surpresa foi a reação do presidente da Câmara, Arthur Lira. Na quarta-feira, 25, após a reunião inaugural do comitê da crise do Covid, o deputado  — um dos operadores do Centrão desde os tempos que Eduardo Cunha estava à frente da Câmara — mostrou que a paciência do establishment brasileiro se esfarelou. Lira ameaçou Bolsonaro com o impeachment, diante do corpo mole do capitão que ocupa a principal cadeira do Palácio do Planalto. “Há muita solidariedade, mas tudo tem seu limite. Tudo. Os remédios políticos do Congresso são conhecidos e todos amargos. Alguns, fatais”, disse Lira. “Estou apertando hoje um sinal amarelo para quem quiser enxergar”.

O capital político do presidente derreteu. Nas últimas horas de quarta-feira, ele ainda assistiu à erosão do parco apoio que mantém no Senado com a pressão direta dos parlamentares para que efetue a troca no Itamaraty. O ministro das Relações Exteriores, o imprudente Ernesto Araújo, caiu de maduro. Cogita-se entregar a pasta para um político com trânsito e experiência internacional. Um dos cotados é ninguém menos que o ex-presidente Fernando Collor de Mello.

O recado de que o país não aguenta mais a condução desastrada de Bolsonaro foi expressa no início da semana, quando o PIB mandou um recado direto ao Planalto. “É falso o dilema entre salvar vidas e garantir o sustento da população vulnerável”, apontaram os ricos, numa Carta Aberta à Nação com mensagem direta e clara. Eles querem a adoção de um lockdown nacional como forma de conter as mortes e a adoção de diversas medidas para reduzir os impactos econômicos e sociais da crise.

Quinhentos empresários, incluindo alguns dos maiores bilionários brasileiros — os banqueiros Pedro Moreira Salles e Roberto Setubal, co-presidentes do conselho de administração do Itaú Unibanco, além de economistas, ex-ministros da Fazenda e ex-presidentes do Banco Central — de Pedro Malan a Armínio Fraga, passando por Elena Landau e Pérsio Arida — distribuíram uma Carta Aberta à Nação, expressando sua repulsa à desastrosa condução do país pelo atual governo.

Os ricos resolveram dar uma dura no presidente cobrando medidas urgentes e efetivas para o combate à pandemia, com a oferta de renda básica ao povo e a aprovação de reformas. O grupo chama a atenção para o atual momento crítico da pandemia e de seus riscos para o país, e também detalha medidas que podem contribuir para aliviar o que consideram um grave cenário.

Enfim, os donos do dinheiro e seus porta-vozes parecem ter acordado para a dimensão da crise sanitária no país, que ganha as proporções de tragédia humanitária. Na imprensa internacional, a percepção geral é de que o Brasil segue à deriva, sem governo, desconectado da realidade e indiferente às mortes, que já ceifaram a vida mais de 300 mil brasileiros. O mais dramático é o fato de que a situação tende a piorar.

Especialistas já estimam que a marca de 4 mil mortes diárias — um número absurdo que equivale à queda de 15 aviões de passageiros é  um número maior do que as vítimas que pereceram na queda das torres do World Trade Center, em 11 de setembro de 2001 — não está distante de se tornar real. Sem mudança na condução da crise sanitária, o país poderá chegar à incrível marca de 500 mil mortos. Uma tragédia humanitária.