Nem todos se curvaram ao golpe
Três oficiais foram punidos e perseguidos pela ditadura: General Nelson Werneck Sodré, Almirante Cândido da Costa Aragão e Brigadeiro Francisco Teixeira. Foram exemplo ao não aceitarem a quebra da legalidade
Por Alberto Cantalice *
Ao lembrarmos da grande farsa que tomou o Brasil de assalto no 1º de Abril de 1964, não podemos deixar de lembrar que mesmo dominada pela lógica golpista na ocasião, partes das Forças Armadas não queriam a quebra da legalidade democrática.
Não podemos esquecer que a maior e mais abrangente razia, com o consequente expurgo de democratas e nacionalistas se deu nas fileiras das Forças Armadas. Milhares de oficiais, sargentos e cabos foram cassados e destituídos de suas funções logo nos primeiros dias do golpe.
Apesar de vitorioso, o golpismo nunca contou com a unanimidade das forças militares. Vários militares esperaram a voz de comando do então presidente João Goulart para resistirem à quartelada e esta ordem não veio.
Defensores intransigentes da legalidade democrática e mantendo-se até o fim de seus dias comprometidos com a luta contra a ditadura e pela volta ao Estado Democrático de Direito, destacamos entre tantos as figuras do General Nelson Werneck Sodré (1911-1999), do Almirante Cândido da Costa Aragão (1907-1998) e do Brigadeiro Francisco Teixeira (1911-1986).
Duramente perseguidos cassados e presos, os três nunca deixaram de denunciar e se contrapor à ditadura. Artífices da luta pela conquista da Anistia, os três militares deixam um legado que merece ser lembrado por todos.
Esses oficiais simbolizam um passado comprometido dos militares com os ideais de um país soberano e democrático. Reconhecendo a supremacia do povo como o único e legitimo detentor das prerrogativas da escolha de seus governantes.
Cabe destacar ainda a Comissão Nacional da Verdade, que em suas páginas narra o verdadeiro desmonte produzido pelos golpistas nas fileiras das Forças Armadas. Ao todo, mais de 6.500 militares foram vítimas de constrangimentos, prisões, torturas e cassações pela ditadura.
Segundo o relatório da Comissão Nacional da Verdade, “os militares foram perseguidos de várias formas: mediante expulsão ou reforma, sendo seus integrantes instigados a solicitar passagem para a reserva ou aposentadoria; sendo processados, presos arbitrariamente e torturados; quando inocentados, não sendo reintegrados às suas corporações; se reintegrados, sofrendo discriminação no prosseguimento de suas carreiras”. Por fim, alguns foram mortos.
Aragão foi preso e colocado incomunicável por quatro meses. Foi torturado e perdeu a visão de um dos olhos. Transferido para a reserva, teve seus direitos políticos cassados por dez anos. Beneficiado por um habeas corpus concedido pelo Superior Tribunal Militar, asilou-se no Uruguai. Lá, liderou a Resistência Armada Nacionalista, grupo de ex-militares brasileiros criado em maio de 1966 sob a designação de Movimento de Resistência Militar Nacionalista (MRMN), com objetivo de retomar o poder no Brasil por meio da revolução armada.
Retornou ao Brasil em 1979, já vigente a Lei da Anistia, o que não impediu que os militares o prendessem por 49 dias. Em 1981 foi absolvido pela Justiça de todas as acusações contra ele formuladas durante o período de exceção.
Quem também foi intensamente perseguido pela ditadura foi o Brigadeiro Francisco Teixeira. No dia seguinte à deposição de João Goulart, em 1º de Abril de 1964, Teixeira foi exonerado de suas funções e preso, sendo substituído no cargo que ocupava pelo major-brigadeiro João Adil Oliveira. Ele era então líder da ala militar nacionalista na Aeronáutica — apelidada por adversários de “grupo melancia: verde por fora e vermelho por dentro”.
Em 11 de abril foi transferido para a reserva, tendo seus direitos políticos suspensos por dez anos, com base no Ato Institucional nº 1, baixado pela ditadura em 9 de abril de 1964, instrumento que permitiu punições extralegais aos adversários do novo regime. Preso incomunicável durante 50 dias para responder a três inquéritos policial-militares, foi afastado da FAB antes da conclusão das investigações. Foi também proibido de exercer a profissão, de piloto, tendo sua carta de piloto cassada. Além disso, teve a cidadania suspensa por dez anos. Considerado oficialmente morto, sua esposa passou a receber pensão militar de viúva.
Para sobreviver, Teixeira organizou, com a ajuda da mulher e parentes, um curso particular no nível de admissão e um supletivo. Preso por ocasião da posse do general Emílio Garrastazu Médici na Presidência da República em outubro de 1969, no mês seguinte teve sua residência incendiada em circunstâncias nunca explicadas satisfatoriamente. Na segunda metade da década de 1970 envolveu-se na luta pela Anistia.
Em 19 de junho de 1980 foi anistiado por portaria do então ministro da Aeronáutica, Délio Jardim de Matos, conforme a Lei da Anistia sancionada pelo presidente João Figueiredo em 28 de agosto de 1979. Amigo particular do ex-ministro Renato Archer, filiou-se ao PMDB. Em julho de 1983, ajudou a fundar a Associação Democrática e Nacionalista de Militares, entidade que reunia os militares cassados e perseguidos pelo regime militar, presidindo-a de dezembro daquele ano até sua morte. Faleceu no Rio de Janeiro em 10 de janeiro de 1986.
* Diretor de Comunicação da Fundação Perseu Abramo