Entenda o que propõe a PEC da Segurança Pública em tramitação no Congresso
Enviada pelo governo em abril, a proposta quer integrar ações de inteligência das polícias

Após a megaoperação policial nos Complexos do Alemão e da Penha, realizada na zona norte do Rio de Janeiro na semana passada, o tema da segurança pública voltou a aparecer de maneira mais destacada tanto no âmbito estadual quanto na esfera federal.
Mas, apesar da urgência criada a partir das mais de 120 mortes, o assunto já estava em debate no Congresso Nacional a partir de uma proposta de emenda à Constituição enviada pelo governo federal, em abril deste ano.
A PEC da Segurança Pública, como ficou conhecida, tem como objetivo organizar e integrar a atuação das forças policiais, promovendo uma estrutura mais eficaz do ponto de vista do diálogo e troca de informações sobre o combate à criminalidade.
Segundo o ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, o escritório emergencial contra o crime, anunciado na última quarta-feira (29) para tratar da questão no Rio, serve como referência para entender como funcionaria na prática a integração das inteligências policiais.
“É um fórum onde as forças vão conversar entre si, tomar decisões rapidamente até que a crise seja superada. Este é o embrião daquilo que nós queremos criar com a PEC da Segurança Pública que está sendo discutida no Congresso Nacional. Nós queremos fazer um entrosamento das forças federais, estaduais e até municipais no enfrentamento deste flagelo”, disse o ministro.
De acordo com a pesquisa Genial/Quaest, que teve o detalhamento divulgado com exclusividade pelo jornal O Globo nesta segunda-feira (3), a maioria dos entrevistados disse ser favorável à PEC. Os números são: 52% da população do Rio de Janeiro está de acordo com a proposta, 29% são contrários, e 19% não souberam ou não responderam, o que evidencia a necessidade de que o texto seja mais conhecido pela população.
Inspirada no sucesso do Sistema Único de Saúde, a ideia é dar status constitucional para o SUSP, o Sistema Único de Segurança Pública. Para estruturar o sistema, a PEC altera cinco artigos da Constituição (21, 22, 23, 24 e 144) e dá à União competência para estabelecer diretrizes gerais quanto à política de segurança.
Com mecanismos de participação social e garantia de transparência, a proposta constitucionaliza o Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP) e o Fundo Penitenciário Nacional (Funpen). Assim, fica garantido o repasse contínuo e estável de recursos, que serão compartilhados de forma justa entre todos os integrantes da Federação, e proibido o contingenciamento.
Tramitação na Câmara
Nesta segunda-feira (3), foi realizada uma audiência pública da Comissão Especial que analisa o texto da PEC na Câmara dos Deputados. Além dos parlamentares, estiveram presentes o diretor-geral da Polícia Federal (PF), Andrei Augusto Passos Rodrigues, e o diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal (PRF), Antônio Fernando Souza Oliveira, que apresentaram contribuições técnicas ao debate.
Na comissão, Andrei Augusto Passos Rodrigues, diretor-geral da Polícia Federal, defendeu a proposta como veio do governo e destacou que o ponto que prevê a articulação das forças de segurança e entes federados é fundamental no combate ao crime.
O parecer do relator, o deputado Mendonça Filho (União-PE) tem a previsão de ser apresentado no dia 4 de dezembro. O presidente da Câmara, Hugo Motta, já afirmou que tem a intenção de levar o texto ao plenário ainda neste ano.

Entenda a proposta
Dentre as medidas, está a responsabilidade da União em estabelecer um Plano Nacional de Segurança Pública, que inclua também questões relacionadas ao sistema penitenciário. As diretrizes, segundo a PEC, terão a participação dos estados e dos municípios. O texto mantém a autonomia dos governadores na definição de estratégias locais; polícias militar e civil, além dos bombeiros e agentes penais seguem subordinados aos governos locais. Guardas municipais têm poder ostensivo e comunitário.
O atual texto amplia o escopo de atuação da Polícia Federal. A proposta assegura que a corporação poderá investigar organizações criminosas e milícias, o que a corporação já faz apenas em casos que foram federalizados ou após decisão judicial.
A Polícia Rodoviária Federal passa a monitorar também ferrovias e hidrovias, com um novo nome: Polícia Viária Federal. Com a mudança, a força policial também poderá ser deslocada para prestar auxílio às polícias dos estados, atendendo aos chamados dos governadores, como hoje acontece com a Força Nacional.
Mudanças do relator
O relator Mendonça Filho (União-PE) afirmou, nesta segunda-feira (3), que a PEC terá um texto construído a partir de consenso entre os parlamentares, com foco nos interesses da sociedade. Ele elogiou a iniciativa do governo, mas ponderou a possibilidade de mudanças nos pontos relacionados à ampliação do papel do governo federal no tema, destacando a necessidade de respeito ao federalismo (cláusula pétrea da Constituição).
Mendonça Filho também defendeu penas mais duras. “Hoje, há uma sensação de impunidade generalizada. A banalização das audiências de custódia precisa ser revista. Não dá para quem tira a vida de um cidadão cumprir apenas quatro anos de pena”, disse o relator.
Reações ao texto
No ano passado, antes de enviar a proposta ao Congresso, o presidente Lula apresentou o texto a 21 governadores. Romeu Zema (Novo-MG), Jorginho Mello (PL-SC) e Eduardo Leite (PSD-RS) se negaram a participar da reunião.
Após a recente operação no Rio de Janeiro, sete governadores lançaram o “Consórcio da Paz” no Palácio Guanabara, com ações práticas para promoção de novas ações policiais, com críticas à PEC.
Além do governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, participaram Romeu Zema (Novo), de Minas Gerais; Jorginho Mello (PL), de Santa Catarina; Eduardo Riedel (Progressistas), do Mato Grosso do Sul; Ronaldo Caiado (União Brasil), de Goiás; e a vice-governadora do Distrito Federal, Celina Leão (Progressistas). O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), participou remotamente, por chamada de vídeo.
“O governo está falando o seguinte: ‘eu quero ajudar a coordenar isso, porque eu sei que sem a União vocês não dão conta’. O que disseram os governadores de direita? ‘A PEC da segurança não me interessa porque eu vou perder autoridade’. Primeiro que não é perder autoridade. Quem tem a força da Polícia Militar, da Polícia Civil e dos peritos é o governo do Estado. É uma ação coordenada de país, um projeto de país, de segurança pública, que é um dos maiores problemas a serem enfrentados pelo Brasil”, afirmou a ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, em entrevista a um podcast.

No parlamento, uma voz de destaque em defesa do texto é da deputada federal delegada Adriana Accorsi (PT-GO), membro da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado na Câmara dos Deputados.
“Segurança pública não se faz com ações isoladas, improvisadas e que colocam em risco a vida da população. O que o Brasil precisa são ações de inteligência e integração, com compartilhamento de informações e combate eficiente ao crime. É isso que vai acontecer com a aprovação da PEC da Segurança Pública”, disse Accorsi.



