Conjuntura internacional. O noticiário tem sido tomado nas últimas duas semanas por três conflitos armados com repercussões globais: o ataque do estado de Israel ao território palestino de Gaza; os enfrentamentos armados entre insurgentes do “Estado Islâmico do Iraque e Levante” (EIIL) com o governo do Iraque e os EUA; os enfrentamentos das milícias rebeldes pró-Rússia do oriente da Ucrânia com o exército desse país.
São expressões do redesenho da geopolítica mundial onde os EUA tentam afirmar a vigência da unipolaridade ou reagem aos questionamentos que sofrem. No Iraque está em disputa uma das principais regiões produtoras de petróleo. No caso da crise na Ucrânia há uma reação do governo Putin às reincidentes provocações de levar a OTAN para perto das fronteiras russas.
Em resposta às sanções impostas pelos EUA e a União Europeia à Rússia, o país decidiu um embargo de compras de alimentos a essas economias. Tal medida afeta fortemente agricultores desses países e favorece novos fornecedores, notadamente os da América Latina.
Rumo à multipolaridade? Nesse contexto, se evidencia a importância da recente reunião dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) realizada em Fortaleza. Trata-se de uma articulação entre economias emergentes, descontentes com os atuais mecanismos de governança global que ainda respondem ao cenário internacional anterior.
A realização da Cúpula de Presidentes do Mercosul, em Caracas, Venezuela, adiada várias vezes, permitiu à diplomacia brasileira retomar a iniciativa regional. Seu principal desafio é atrair os países da região (Colômbia, Peru, Chile) que participam da chamada “Aliança do Pacífico” através da antecipação da meta fixada para 2019 de eliminação das tarifas comerciais. Com o interesse desses países no incremento dos negócios e investimentos intra-regionais – que já está em curso – a AP deixa de ser uma “concorrente” para ser uma “parceira” do Mercosul.
Conjuntura nacional. “Estaginflação”, recessão, desaceleração? No Brasil economistas e jornalistas neoliberais tentam instalar no debate econômico a tese de que o país estaria em “estaginflação”. Trata-se da combinação simultânea de aumento da inflação com recessão econômica que, tendo acontecido nos países capitalistas avançados nos anos 197, abriu caminho para o neoliberalismo econômico ao tempo em que era decretado o fim da era keynesiana.
No entanto, no Brasil atual a inflação não está alta (está em níveis inferiores aos dos tempos neoliberais) nem está em aceleração (ao contrário, está em queda).
Ao mesmo tempo, malgrado possa se registrar dois meses continuados de queda da produção (que alguns afirmarão que já é uma “recessão técnica”) se olharmos o período como um todo, veremos que o país teve um crescimento melhor ou igual que outras economias igualmente afetadas pela crise econômica do capitalismo avançado.
Podemos afirmar sim que na primeira metade de 2014 houve uma desaceleração da economia impactada, conjunturalmente, pela crise argentina, as dificuldades da União Europeia e os meses atípicos em quantidade de “feriados” durante a Copa do Mundo. Esse desempenho reflete igualmente os impactos do aumento de juros pelo Banco Central do Brasil, realizado no período anterior, dentro de sua estratégia de contenção dos preços.
Desigualdades sociais e raciais. Estudos recentes(1) sobre mercado de trabalho e violência no país mostram que houve avanços em relação à redução da desigualdade social no Brasil, mas que persiste a discriminação por critérios raciais como uma das determinantes principais dessa mazela social. Inclusive, sobressai o fato de que a raça é um fator de discriminação mais importante que o gênero. E existe uma desigualdade de oportunidades que aumenta a exposição da população parda e negra a situações de violência. Hoje pretos e pardos (50,7% da população total) ocupam algo em torno de 30% dos postos no funcionalismo, menos que este percentual entre os professores universitários, são 17,6% dos médicos, 14,2% na carreira de procurador da fazenda nacional, 12,3% dos auditores da receita e 5,9% dos diplomatas.
Essas constatações evidenciam a necessidade de se insistir em políticas afirmativas – como as cotas – para a população negra.
Eleições 2014. A repentina, inesperada e trágica morte do ex-governador Eduardo Campos, candidato pelo PSB à presidência da República, alterou substancialmente o quadro da disputa eleitoral. A ex-ministra Marina Silva, que como candidata a vice-presidenta era figura coadjuvante do projeto de Campos, deve substituí-lo como candidata a presidenta, agora com um vice indicado pelo PSB.
Situação estranha já que, como se sabe, tal aliança só aconteceu após o fracasso de Marina na tentativa de registrar a Rede como partido e com o acordo de, passadas as eleições, deixar o PSB para continuar os esforços por legalizar seu próprio partido. É assim que o conteúdo principal do programa da candidatura e as alianças regionais e nacionais respondem prioritariamente ao desenho de Campos, um político jovem porém de perfil tradicional, antes que ao slogan de uma “nova política” da Rede.
Marina agora poderá tentar, em primeira pessoa, juntar suas intenções de voto difusos com as da aliança que a embala a fim de provocar um segundo turno, que a anterior combinação Aécio e Campos não estava garantindo. A primeira pesquisa Datafolha realizada ainda sob o impacto da tragédia parece confirmar esse novo cenário.
Porém, a partir daí tudo é mais incerto. Mais ainda que estamos às vésperas do início do horário eleitoral em rádio e TV. Listemos alguns aspectos cuja evolução deverá ainda ser objeto de novas análises:
Piso ou teto? Com 21% dos votos Marina ajuda a levar o pleito ao segundo turno. Mas esse percentual é tudo que ela terá ou poderá continuar crescendo?
Efeito da entrada da Marina. Segundo essa pesquisa, a entrada de Marina não alterou o quadro da votação de Dilma e Aécio. Seus votos teriam vindo de gente que iria votar nulo, branco ou se abster, além de setores que votavam em Campos. Porém, não há muito mais espaço para crescer nestes segmentos.
Qual Marina? Votam pela sua candidatura jovens que questionam a “velha política”, mas também eleitores conservadores que querem derrotar o PT. Por enquanto, ela atende expectativas de vários setores com identidades contraditórias entre si porque Marina tem pairado sobre o cenário sem necessidade de expor suas opiniões. Mas, agora ela será cobrada no debate. Qual Marina ficará?
Voto Jovem. Sua candidatura atrai segmentos jovens pelo aparente questionamento à política tradicional que ela afirma encarnar. Porém, a agenda política de Marina (sobre casamento gay, drogas, aborto, etc.) é extremadamente contraditória com as reivindicações dos jovens que parecem apoiá-la. Esses votos, desde junho de 2013, continuam em disputa.
Qual campanha? Condição para que assuma a titularidade da chapa foi que aceitasse todo o pacote político negociado por Eduardo Campos, o qual inclui alianças regionais que ela disse rejeitar – como a candidatura Alckmin em S.Paulo – e novos parceiros de velhas oligarquias regionais – como os Bornhausen que viraram “socialistas” em Santa Catarina. Antes, ela podia ser uma rebelde no emaranhado de acordos do candidato Campos, agora ela passará a ser a líder e fiadora de tudo que questionou.
Com qual programa? Em nenhum dos temas chave do atual debate a candidatura da Marina está confortável. Para o PT e a candidatura da presidenta Dilma será uma boa oportunidade de dar o bom combate programático contra o projeto neoliberal em suas duas versões.
Nova fase da disputa, situação mais confortável. O início do período de propaganda eleitoral no rádio e na TV acontece com vários indicadores melhores para a candidatura da Dilma. A saída a campo da presidenta nos dias prévios já iniciou a melhora da avaliação do seu governo, e essa tendência deve se aprofundar. Melhorou também a percepção das pessoas sobre a situação econômica e suas perspectivas. Cabe à candidatura Dilma se fortalecer e avançar nos segmentos que tem potencial de apoio, mas que até agora se mantiveram distantes – sobretudo os jovens.
(1) LAESER (2014a) Tempo em curso, Ano VI; Vol. 6; no 7, Julho, 2014 Disponível em: http://www.laeser.ie.ufrj.br/PT/tempo%20em%20curso/TEC%202014-07.pdf
LAESER (2014b) Tempo em curso Ano VI; Vol. 6; no 6, Junho, 2014 Disponível em: http://www.laeser.ie.ufrj.br/PT/tempo%20em%20curso/TEC%202014-06.pdf Acesso em: 14/08/2014 |